O ritmo da nossa reacção às alterações climáticas é “incompatível com a situação que vivemos”
Não há grandes clivagens políticas na área da sustentabilidade, defende Jorge Moreira da Silva – portanto, há que agir de forma mais rápida. O ministro do Ambiente diz que quem tem de se adaptar são os humanos, não a Terra. E esta “é a crise do nosso século”, defende a activista Matilde Alvim.
É o ser humano que se tem de adaptar às alterações climáticas, não o território nem os ecossistemas. Foi o que afirmou o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, na cerimónia de encerramento das conferências que marcam o 32.º aniversário do PÚBLICO, que se celebra a 5 de Março. O problema vai “agravar-se nos próximos anos”, diz, e é preciso “saber olhar para o nosso território na perspectiva de o valorizar.”
“Temos mesmo de encontrar outras fontes para substituir a produção de electricidade”, disse o ministro, que se admite “reconfortado” com o resultado das últimas eleições. Há caminho para uma “nova economia” e para uma “nova energia”. Com lítio, gases renováveis, economia circular. Mas essa mudança “também tem uma pegada ambiental” – e há que discutir as soluções caso a caso.
O ministro do Ambiente e da Acção Climática diz que o ser humano tem um grande peso na “nossa casa comum”, que tem “delapidado os recursos naturais como se fossem infinitos” e que “os animais estão a ser criados para serem comidos por nós”. Mas refere que “a economia tem de crescer”: “Não consigo ser agnóstico em relação ao crescimento económico”. Tal não significa que tenha de “crescer como cresceu no passado, fazendo de conta que não estamos a dar cabo da atmosfera com gases resultantes sobretudo de energias fósseis”, nem pôr em causa “os limites do equilíbrio que o sistema tem”.
Portugal chegou atrasado ao século XXI
Quem diz Terra também diz mar. “O oceano continua ausente das grandes prioridades da comunidade internacional”, denunciou o jurista especializado em assuntos do mar, Tiago Pitta e Cunha, na segunda parte das conferências sobre a crise climática. A abrir a sessão sobre o papel da política portuguesa na resposta às alterações do clima, o presidente da Fundação Oceano Azul disse que “Portugal chegou profundamente atrasado ao século XIX e ao século XX e não quer chegar atrasado ao século XXI”, agora que começou a haver “coragem” de chamar crise climática a este problema. O país “ainda hoje não vê com clareza para onde vai esse século”, ressalva, mas deve procurar “um desenvolvimento de um sistema económico que seja seu”.
“Esta relação do nosso país com a sua geografia e a sua natureza deve ser encarada como uma prioridade”, vinca o jurista que foi prémio Pessoa 2021, “e o mar pode ser uma cartada fundamental nesta agenda da descarbonização”.
E não se pode perder tempo. “Não precisamos de andar à procura de grandes diferenças, temos é de acelerar o passo”, defendeu Jorge Moreira da Silva, director-geral da cooperação para o desenvolvimento na OCDE, acrescentando que são precisas medidas realistas e inovadoras, aliadas ao conhecimento. Os entraves políticos são poucos, é só uma questão de ritmo: “Não há grandes clivagens entre os partidos relativamente à orientação na área da sustentabilidade, mas sim ao grau de velocidade e o papel do mercado e do Estado.” E alerta que o ritmo é “incompatível com a situação que vivemos”.
Há verdades muito inconvenientes, diz, referindo que é preciso tomar medidas que não são populares – mas que são necessárias. Também é essencial reduzir as emissões: seria preciso reduzir 45% das emissões nos próximos nove anos, mas as estimativas apontam para que cresçam. “Nos princípios estamos todos de acordo, mas quando chega a hora da verdade, não” – porque há quem não queira pagar o custo político. “Há um nível de consenso nesta área que não pode ser desbaratado”, refere.
Jorge Moreira da Silva denuncia ainda que se poderia ter reduzido o preço da energia e a dependência do gás russo. “Nos últimos anos não se avançou nada, desde a crise na Crimeia, em 2014. Espero que esta crise seja a última crise em que a Europa desperdiça esta oportunidade”, defende o antigo ministro do PSD.
A eurodeputada Sara Cerdas argumenta que o combate às alterações climáticas tem sido uma das batalhas da União Europeia, além da pandemia e, agora, da guerra. Elogia a acção dos jovens e diz que quanto ao “meteorito, já estamos a vê-lo no céu”, aludindo à referência do moderador e director-adjunto do PÚBLICO, David Pontes, de que as alterações climáticas são como um meteorito a cair em direcção à Terra. Além disso, não podemos ficar só por aqui: “É preciso ajudar países terceiros.”
O historiador Rui Tavares acredita que temos também de pensar naqueles que podem ser “os piores cenários”. Ainda que, “do lado dos cidadãos informados, do campo da política, muitas vezes o discurso preocupado tem o efeito de criar desmoralização”. É também daí que surge o “desafio de tentar explicar às pessoas que as alterações climáticas não são uma coisa que acontecem lá longe” que têm um impacto real na qualidade de vida das pessoas em Portugal. “Até porque o planeta começa aqui”, diz, batendo com o pé no chão.
O deputado e fundador do Livre denuncia ainda a pobreza energética: “Morre-se em Portugal a tentar aquecer as casas de formas inseguras.” Com as políticas adequadas, é possível “ajudar as pessoas a viver de uma forma mais confortável e digna, contrariando a ideia de que a ecologia nos faz viver andado para trás”, diz. Tem de ser um progresso sustentável.
“A crise do nosso século”
As novas gerações são tidas como aquelas que mais se preocupam com o clima. “Estamos a construir uma sociedade que vai ser mais justa. Não é só uma questão de ambientalismo: esta é a crise do nosso século”, afirmou a activista Matilde Alvim, do Climáximo, no painel dedicado aos jovens e à crise climática. “Nós não escolhemos as eras em que nascemos. Temos mesmo uma oportunidade para mudar outras crises que estão a ser provocadas pela mesma raiz do sistema capitalista”, diz. E o tom é de urgência: “Não podemos esperar mais um segundo, não podemos esperar que as instituições se iluminem porque estão a demorar demasiado tempo”, considera Matilde Alvim. “Temos de construir a nossa própria salvação.”
Já o presidente do Conselho Nacional de Juventude, Rui Oliveira, considera que esta é a “geração que mais se preocupa” – mas isso não faz com que estejam devidamente representados na política. “Os jovens não estão desligados da política”, diz o engenheiro mecânico, mas esta falta de representação faz com que a crise climática não chegue aos locais de decisão. “Em vez de estarmos a preparar o futuro, estamos a responder ao agora.” E acredita que “as respostas que temos actualmente não chegam”, daí que seja precisa mais investigação e cooperação na área do clima.
Para a bióloga marinha Raquel Gaião Silva, também é certo que “os jovens são a geração que pode ter esta garra de criar novos negócios mais sustentáveis”. A bióloga considera que os jovens não devem ser postos todos no mesmo saco, já que “também têm as suas ferramentas”. Mas é importante que a informação chegue a todos e que se juntem sempre várias áreas do saber para saber como responder à crise climática.