Conferência dos 32 anos do PÚBLICO: “Além de mudar hábitos temos de mudar mentalidades”

O PÚBLICO faz 32 anos neste sábado e celebra com uma grande conferência: A crise climática: como lhe estamos a responder?. Na manhã desta sexta-feira falou-se sobre a forma como podemos (e devemos) enfrentar as alterações climáticas, enquanto gerimos uma pandemia e uma guerra na Europa. É altura de “congregar esforços”.

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A conferência teve início nesta sexta-feira de manhã no Salão Nobre da Universidade de Lisboa
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RG Rui Gaudêncio - RG Rui Gaudêncio - 4 Março 2022 - Nós e a crise climática, conferência do 32º aniversário do jornal Público. Lisboa. Público�
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RG Rui Gaudêncio - RG Rui Gaudêncio - 4 Março 2022 - Nós e a crise climática, conferência do 32º aniversário do jornal Público. Lisboa. Público
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Mesmo em tempos de guerra e pandemia, há outro combate que continua activo e urgente: a defesa pelo planeta e a luta contra as alterações climáticas. Chegámos a uma situação complicada e “é preciso ter a coragem de inverter o rumo”, afirmou na manhã desta sexta-feira o professor catedrático Viriato Soromenho-Marques, na conferência A crise climática: como lhe estamos a responder?, organizada pelo jornal PÚBLICO por ocasião do seu 32.º aniversário, que se celebra este sábado. “É preciso fazer alguma coisa, temos de ser activos, isso é fundamental”, declarou o filósofo.

À pandemia, à incerteza da guerra, à instabilidade geopolítica dos últimos dias juntam-se as “inquietações permanentes do clima” que põem em risco um futuro mais sustentável, afirmou a vice-reitora da Universidade de Lisboa, Cecília Rodrigues, na sessão de abertura da conferência. “As alterações climáticas combatem-se com medidas concretas, determinadas e consequentes, de forma activa e responsável”, afirmou. É preciso fazer mais pelo ambiente, ordenamento do território, gestão da água, transição energética. “É o nosso futuro que está em risco.”

“Este ano tinha de ser mesmo este tema”, afirmou o director do PÚBLICO, Manuel Carvalho. “Não só a crise climática, mas a resposta que estamos individualmente e colectivamente a dar.” E explicou que “todos sentimos que há um reconhecimento vago ou explícito de que o problema existe, mas não vemos que as coisas estejam a avançar suficientemente para lhe dar resposta”.

“O PÚBLICO tem de tomar posição, tem de assumir uma atitude”, sublinhou. Falou em “compromisso” e acredita que o “PÚBLICO sempre teve esta preocupação no seu DNA jornalístico” – mas a discussão deste tema tornou-se ainda mais urgente.

Uma crise maior

“A crise climática é uma crise fundamental, é uma crise estrutural, mas é uma crise dentro de um quadro maior”, afirmou o professor catedrático Viriato Soromenho-Marques, numa apresentação chamada A maior das crises: a guerra pelo futuro entre distopia e utopia. É essencial perceber-se isso para se ser capaz de “medir correctamente as medidas a tomar”. Vivemos num tempo que se tornou distópico, referiu, e temos de “congregar esforços”.

Foi em 1988 que a crise climática se definiu como tema, com a criação do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), “porque o espectro da guerra fria estava a terminar”, explicou. “O que está a acontecer neste momento é um movimento das placas tectónicas da história” em relação a essa época anterior. Há investimentos direccionados para as armas “e não para a construção da paz, que é o único terreno onde podemos enfrentar esta crise”.

O tempo da história e o tempo da ciência uniram-se, referiu Viriato Soromenho-Marques, mencionando o Antropocénico, uma nova época geológica ainda sem estatuto oficial – e que se refere ao impacto que a humanidade está a ter na Terra. É a partir de 1950 que se começa a sentir esse impacto, “uma grande aceleração” — desde a população ao PIB mundial, ao uso da água e à concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera. “Este planeta não é o planeta onde eu nasci”, vincou Viriato Soromenho-Marques.

“O sistema Terra deve ser protegido no seu conjunto”, caso contrário corremos o risco de transformar o planeta numa “Terra fornalha”. E estamos a “fracassar” na nossa habitação da Terra, ao termos situações irreversíveis e um descontrolo em crescimento (no caso da segurança ambiental e sanitária, por exemplo).

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A conferência do 32º aniversário do PÚBLICO está a decorrer no Salão Nobre da Universidade de Lisboa. A entrada é livre

Como podemos sair daqui?, perguntou o académico. “É uma crise planetária”, definiu. “Esta crise é mundial, mas nasceu na Europa”, no projecto do humanismo moderno, com a sua quota parte de responsabilidade, defendeu. “A nossa distopia tecno-científica tem uma língua própria”: a ideia de que o crescimento da economia é compatível com a finitude do sistema Terra e que a tecnologia consegue substituir o que ela destrói na Natureza (como drones que substituem abelhas na polinização) ou a ideia de que não nos devemos preocupar com as gerações futuras.

“Chegámos a uma situação muito complicada. Voltámos atrás”, disse o professor, referindo-se à possibilidade de existir um conflito nuclear. “É preciso ter a coragem de inverter o rumo”, admitiu. “É preciso fazer alguma coisa, temos de ser activos, isso é fundamental.”

“Precisamos de ciência mais do que nunca, mas convém nunca esquecer que a ciência funciona como holofote, como guia, mas que também é uma arma”, disse, citando Aldo Leopold. A ciência é uma produção humana e as duas caras que nós temos estão lá. Esta “é uma crise que nos desafia a todos. Não há que ter ilusões: só podemos ter sucesso, de que nos possamos orgulhar, se trabalharmos de forma compulsória”, e estamos a assistir a acontecimentos que “vão avançar para a dilaceração e não para a cooperação”.

O que fazer no futuro? Saber o que conhecemos, o que desconhecemos e aquilo que podemos (e devemos) fazer. “O que conhecemos é grave”, sem grandes indicadores de esperança. “A realidade é muito mais rica do que a nossa representação” e a “história mostrou-nos que situações que pareciam inevitáveis não aconteceram”. “Temos de estar preparados para as surpresas do próprio real”, alertou Soromenho-Marques. “Não temos qualquer desculpa” para não agir.

Guerra agrava crise climática

“Além de mudar hábitos temos de mudar mentalidades”, defendeu o presidente da Zero, Francisco Ferreira, sobre o que podemos fazer pelo clima. “Vivemos numa lógica de consumismo crescente, ambição desregrada em relação ao consumo”, disse. “Acima de tudo, não nos contentarmos com o remedeio, é preciso ir mais ao fundo da questão.”

No início do painel “A crise vista pela sociedade portuguesa”, a moderadora e editora de Ciência do PÚBLICO, Teresa Firmino, propôs que se fizesse uma ligação entre a guerra e o clima, dada a inevitabilidade de se falar sobre a invasão russa da Ucrânia. Com a guerra, as alterações climáticas poderão ficar em “stand-by”, alertou o presidente da associação ambientalista Zero, Francisco Ferreira.

Quanto ao perigo nuclear, tivemos dois momentos perigosos: Tchernobil e Fukushima. Mas agora o perigo é deliberado, afirmou Francisco Ferreira. “Nunca se pôs esta questão de poder haver este conflito tão próximo e um risco de acidente nuclear. Houve outros momentos, “mas nunca de forma tão premente”.

Uma das coisas mais curiosas na COP (Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas), disse, é a Rússia. “Em todas as conferências sabe-se qual é o posicionamento da União Europeia, da China, da Índia, dos EUA – com Trump ou sem Trump – mas a Rússia é sempre uma carta fora do baralho.”

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Miguel Miranda, presidente do IPMA

Temos sido “surpreendidos pela negativa nos últimos dias”, prosseguiu o presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), Miguel Miranda. Uma questão “que nos deve mesmo fazer abrir os olhos” é que as alterações que fizemos na Terra estão ao nível astronómico. “Ninguém sabe o que vai acontecer a seguir”, disse. “Temos de olhar à volta e ver com quem é que podemos contar”, mas “temos de ter portas abertas”, sabendo comunicar com o inimigo. “Nós somos capazes de estabelecer uma linha de contacto com alguém que nos quer destruir” – o que não acontece em qualquer outra espécie, diz Miguel Miranda.

A crise actual pode criar um efeito cascata de crise, mas poderá tirar lugar ao ambiente como medida urgente, alertou, por seu lado, a bióloga Milene Matos, dirigente da associação Bioliving. Basta um factor aleatório como uma pandemia ou as opiniões de alguém ao comando de uma nação. A guerra está na antítese do conceito de um “mundo melhor”. “O que é que vamos exigir em termos de redução de pegada ecológica a uma família que perdeu tudo o que tinha?”, questionou. Colectivamente temos de construir um diálogo e não desistir do caminho para o bem comum. A guerra, a pandemia, “tiram-nos o chão” deste caminho.

A resposta deve ser construída com as pessoas, mas as pessoas só se envolvem nesta transformação ecológica se “se perceberem o seu ecossistema”. A educação ambiental e para a cidadania é “fundamental”, defendeu. Deu o exemplo da Lousada, onde tem trabalhado, que passou de quase não ter envolvimento com a natureza para conseguirem cerca de 8000 voluntários de todas as gerações. “Não esquecer a acção local” é fundamental, além de todas as decisões políticas. A mudança individual também tem impacto: “Se se multiplicar a uma grande escala traz-nos uma grande esperança.”

As conferências podem ser acompanhadas online através deste link.

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