Acordo em Bruxelas abre a porta à maior operação de apoio a refugiados na Europa desde a Segunda Guerra
Os 27 decidiram activar, pela primeira vez, a sua directiva de protecção temporária, para garantir o asilo a todos os cidadãos em fuga da guerra da Ucrânia. Mais de um milhão de pessoas já estão refugiadas em países da UE. O prolongamento do conflito pode fazer disparar esse número até aos sete milhões.
Os Estados-membros da União Europeia derrubaram, esta quinta-feira, mais um dos seus tabus políticos, ao aprovarem por unanimidade a proposta da Comissão de activar a directiva para a protecção temporária, que garantirá a todos os cidadãos em fuga da guerra da Ucrânia a autorização de residência, bem como o acesso à saúde, educação e ao mercado de trabalho em qualquer um dos 27 países do bloco.
A directiva, que foi desenhada no rescaldo da guerra dos Balcãs e faz parte do acervo comunitário desde 2001, nunca tinha sido accionada: nem no Verão de 2015, quando uma vaga com um milhão de refugiados da guerra da Síria veio bater à porta da Europa; nem no Verão de 2021, quando os aliados ocidentais saíram do Afeganistão, deixando milhares de pessoas sem salvo-conduto à mercê do regime taliban.
Desta vez, e depois de mais de um milhão de pessoas terem cruzado a fronteira da Ucrânia para os países da UE, os 27 mostraram que estão realmente dispostos a avançar com medidas “inéditas” e “extraordinárias” em resposta à agressão da Rússia e em apoio à população da Ucrânia. Para a secretária de Estado da Administração Interna, Patrícia Gaspar, a decisão do Conselho da UE foi “uma prova da importância do apoio e da solidariedade incondicional face ao que está a acontecer” naquele país.
A activação da directiva para a protecção internacional abre a porta à maior operação de apoio a refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial: as organizações internacionais estimam que, com o prolongamento do conflito, o número de deslocados pela guerra possa ultrapassar sete milhões de pessoas.
Os cidadãos ucranianos já beneficiavam de um regime de vistos que lhes permitia entrar e permanecer na UE por um período de 90 dias — razão pela qual, depois da invasão do seu país pela Rússia, puderam cruzar a fronteira e circular livremente pelo território europeu sem ter de passar por um centro de acolhimento, submeter um pedido de asilo político e esperar pela sua avaliação, como é o caso dos refugiados que chegam do Iraque ou da Síria.
A partir de agora, ficam “cobertos” pelo mecanismo de protecção: a directiva europeia garante-lhes os direitos de residência, de acesso ao mercado de trabalho, de assistência social, de saúde ou de qualquer outro programa de assistência, e ainda, no caso dos menores, do acesso à educação, pelo prazo de um ano, que pode ser prolongado automaticamente por mais um ano.
Os Estados-membros, incluindo aqueles que sempre se mostraram renitentes em abrir as suas fronteiras a refugiados (como por exemplo a Hungria, ou a Polónia, que é nesta altura o destino número um dos ucranianos em fuga da guerra) comprometem-se a coordenar esforços para uma repartição “equilibrada” das populações deslocadas da Ucrânia.
“Esta decisão vai permitir criar uma linha de base comum a todos os Estados-membros para garantir o acolhimento harmonioso e homogéneo dos cidadãos que estejam na Ucrânia e desejem vir para a UE” em busca de segurança e protecção, explicou a secretária de Estado da Administração Interna, acrescentando que nos próximos dias serão activados mecanismos de coordenação entre os 27.
“É esperado que todos os países partilhem entre si as disponibilidades que existem e a facilidade que têm em acolher estas pessoas”, precisou. Como a UE aprendeu a lição da crise de 2015, desta vez não houve propostas para a fixação de quotas de redistribuição pelos 27 Estados-membros. Qualquer quota que a UE definisse agora seria irrelevante: nesta altura, ninguém consegue calcular qual poderá ser o número total de refugiados ucranianos.
Conforme salientou Patrícia Gaspar, a dinâmica do fluxo de chegadas — que se espera venha a aumentar significativamente nos próximos dias — será determinada pelos próprios ucranianos.
Em vários países europeus, incluindo Portugal, existe uma comunidade ucraniana bem implantada, e uma “rede muito importante de familiares e amigos” que estão em contacto permanente com as pessoas em fuga da guerra, e preparada para ajudar no seu acolhimento, observou a secretária de Estado.
O Governo português aprovou um mecanismo nacional de protecção temporária para cidadãos ucranianos numa resolução do Conselho de Ministros publicada no dia 1 de Março.