Sejamos coerentes em relação à guerra: não há nenhuma guerra boa
Só a perda total de referenciais inegociáveis pode levar um partido comunista a evitar condenar com toda a veemência a invasão da Ucrânia, agravando um historial de apoio a invasões perpetradas pela URSS.
Toda a guerra é criminosa; salvo a guerra de libertação nacional e a guerra desencadeada face a um ataque absolutamente iminente. Os normativos da Carta das Nações Unidas são claros, assim como a doutrina posterior acerca da guerra justa e da ameaça iminente.
Foi criminosa a guerra da NATO para impor o Kosovo independente e a invasão do Iraque por parte dos EUA e os seus sicários.
A guerra na Ucrânia não é uma guerra de libertação, é uma guerra de opressão nacional. É uma guerra condenada à derrota, mesmo que Putin ponha em Kiev um sátrapa, na linguagem usada por Lénine que o ex-dirigente do KGB abomina por ter reconhecido a Ucrânia como um povo e uma nação, e não uma província do império russo.
Um dos orgulhos que os comunistas brandiam nos céus humanos era a grandeza dos bolchevistas em reconhecer, após a revolução, a independências dos povos, em contraste com a opressão czarista. Milhões de mulheres e homens aderiram ao comunismo também com base nessa política de reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação, independentemente do que se seguiu.
Um dos orgulhos dos comunistas é o primeiro decreto do novo governo russo em 1917 – o Decreto da Paz - a Rússia saía da guerra, o que levou ao fim da Primeira Guerra Mundial.
Só a perda total de referenciais inegociáveis pode levar um partido comunista a evitar condenar com toda a veemência a invasão da Ucrânia, agravando um historial de apoio a invasões perpetradas pela URSS.
Nada justifica esta guerra. Nem o desafiante e desequilibrador alargamento da NATO em forma de tenaz em redor da Rússia, e muito menos a retórica de tipo imperialista de Vladimir Putin. Nem a ameaça futura à Rússia. Os meios para conjurar essa ameaça nunca podiam ser esta guerra para impor em Kiev a humilhação e um lacaio.
A utilização da metralha, por mais sofisticada, que seja nunca pode ser algo conforme ao ideal comunista no sentido da libertação do indivíduo e da sociedade. Esse é o lado desumano dos fabricantes de armas que tudo apostam no último modelo de matar em massa para vender aos seus homens e mulheres, fregueses ávidos de possuir o direito de matar aos milhares e milhares, caso não sejam seguidos.
Putin está a matar ucranianos que lutam pela sua terra, pela sua língua, pelo seu país e pelo seu futuro.
Putin conseguiu reforçar a máquina de guerra que é a NATO e limar para já as inúmeras contradições entre as suas várias potências. Macron esqueceu os submarinos vendidos pelos EUA à Austrália a substituir os franceses e Scholtz e a Europa ficaram sem o gás que passará a vir muito provavelmente dos EUA.
Esta guerra é injustificada e injustificável por mais razões que a Rússia tenha (e tem) para se sentir ameaçada. Havia que dar tempo para que prosseguissem as negociações e, se elas falhassem, considerar outros meios, que não seriam a guerra.
Esta guerra não vai resolver nenhum dos problemas de segurança da Rússia; antes pelo contrário, vai desencadear uma campanha contra aquele país porque ninguém de boa vontade e bom senso poderia aceitar que a invasão e ocupação da Ucrânia, do tamanho da Alemanha e França, poderia ser uma solução. A guerra abriu as portas a um clima de histeria contra a Rússia.
É curioso que nem a CEE, nem a NATO, nem as potências mundiais decretaram sanções de meia-dúzia de cêntimos contra os EUA aquando da invasão do Iraque. A guerra é um crime, seja onde for. A mim faz-me doer a alma ver tanta gente importante tão justamente furiosa contra a Rússia e que em 2003 furiosamente justificou a invasão daquele país.
Temos o mundo que temos. Haverá sempre espaço para os homens e mulheres justos, mesmo que não pareça.
Se formos coerentes a começar por cada um de nós o mundo será mais coerente e justo.
Para todos podermos viver de um modo decente e justo não aceitemos as guerras, sejam quais forem os senhores que as comandam. Precisamos de paz, sobretudo no meio de uma guerra.