António Monteiro: “A diplomacia não falhou. Putin é que tomou o caminho errado”
António Monteiro, diplomata e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, acredita que “é na diplomacia que vai assentar a solução” para esta crise quando Putin perceber que o caminho que está a tomar é o mais prejudicial em todas as facções para o seu país.
O diplomata e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, António Monteiro, considera que a diplomacia nunca falhou entre os actores do actual conflito na Ucrânia. Diz, inclusivamente, que a diplomacia foi fundamental e que o será ainda mais no decorrer desta crise, bem como quando terminar. Acredita também que será através de sanções pesadas que Moscovo chegará à conclusão de que o seu comportamento actual não levará a bom porto aquilo que tanto pretende - nomeadamente a neutralidade da Ucrânia e a garantia de segurança para a Rússia.
Porquê ou em que é que falhou a diplomacia para termos chegado ao ponto em que nos encontramos?
Em primeiro lugar, vinco que não creio que a diplomacia tenha falhado e que acredito que tudo tenha sido feito para que este cenário fosse evitado. Em segundo lugar, acredito, sim, que este resultado tenha vindo da determinação do Presidente russo Vladimir Putin de fazer as coisas à sua maneira.
Posto isto, falar em falhanço diplomático é um erro. Antes disso, temos de ter em conta que a decisão de Putin em enviar tropas para invadir a Ucrânia - passado tanto tempo de ameaças consecutivas - se baseou única e exclusivamente numa plataforma de compromisso inteiramente favorável aos seus interesses.
Sendo assim, considera que as decisões diplomáticas foram as mais correctas ou considera que poderiam ter sido mais os esforços feitos para evitar esta crise?
Muito dificilmente. E quando digo isto, refiro-me a tempos mais próximos. Porque se formos falar de tempos anteriores, creio que poderiam ter sido feitas determinadas coisas de forma diferente, encarando as preocupações de segurança da Rússia com mais seriedade, bem como as garantias de que teriam uma esfera de protecção mais alargada - e não termos uma política tão voluntarista como tivemos muitas vezes. Mas isto levar-nos-ia a questões de grande dimensão.
O que interessa agora é o presente, o que se passa nesta crise e a maneira como se tem desenrolado. E creio que foram feitos todos os esforços para dar margem a que se negociasse um acordo que tivesse em conta os princípios e valores de toda a região, garantindo uma solução pacífica para aquilo que foram as queixas russas em relação aos seus próprios interesses.
Não tenho dúvida nenhuma que, como todas as situações de conflito a que temos assistido, esta também terminará com um acordo de compromisso - mesmo que se saiba sempre como é que se começa uma escalada militar, mas que nunca se saiba como é que se termina e quais as dimensões que pode ter. Só espero que esse acordo possa vir a atender algumas das preocupações russas como a questão da neutralidade da Ucrânia, do poderio militar e das armas instaladas em território ucraniano que podem ou não ser admitidas.
O que pode acontecer, e que espero vivamente que não aconteça, é que tenhamos que ser obrigados a viver com um diktat por parte de Moscovo, sobretudo se puser em causa vidas humanas e toda a segurança e paz da região – como está a pôr actualmente. Nesta situação terá de existir uma resposta muito firme e que mostre a Moscovo que terá muito mais a perder se continuar a apostar numa via de decisões unilaterais como tem feito do que se aceder com razoabilidade a negociar soluções de compromisso que terão de merecer a aceitação de todos os atores nesta crise.
Ainda existe então espaço para a diplomacia ou agora será preciso recorrer a um gesto de força?
Ora, nós já temos uma posição por parte da NATO, que terá de proteger sempre, nem que seja o mais pequeno centímetro quadrado, o seu território.
A Ucrânia não faz parte ainda deste território que falo, mas é evidente que teremos de considerar que, nesta questão, a Rússia terá de respeitar aquilo que são as vontades dos países que a rodeiam, nomeadamente a vontade ucraniana. Não poderá ter em conta apenas a sua própria determinação de impor determinadas fórmulas que vão, tendencialmente, de acordo aos seus interesses. Neste caso, impedindo a Ucrânia de entrar na NATO ou de ter o seu apoio - que, novamente, é precisamente aquilo que Vladimir Putin está a fazer.
E é precisamente aqui que está a margem de negociação. Numa linha bastante vincada entre aquilo que a Rússia pretende e aquilo que possa ser considerado admissível para garantir a paz e a estabilidade de todos os países envolvidos neste conflito. Ainda assim, isto será muito difícil de atingir enquanto houver, por parte de Moscovo, a falta de noção de que a via que decidiram tomar será muito mais prejudicial para os seus interesses a curto, médio e longo prazo. Então, naturalmente, é mais que correcta esta primeira reacção que consistiu em aplicar sanções muito pesadas que levem a própria sociedade civil a compreender que o caminho que Putin está a tomar é o caminho errado.