Portugueses na Ucrânia. Luana e o marido arranjaram bilhetes de autocarro
Diminuta população portuguesa na Ucrânia está em fuga, agora que guerra começou. Luana Viriato põe-se a caminho da Eslováquia. Hugo Canas já se encontra na Polónia. Alexandre Pinto arrisca ficar.
Luana Viriato Lourenço até se sentia culpada por não ter valorizado os avisos da família e da Embaixada de Portugal na Ucrânia, que segunda-feira aconselhou os cidadãos portugueses a sair enquanto o podiam fazer pelas vias normais. Esta sexta-feira, pelas 14h30 deve estar num autocarro, em direcção à Eslováquia.
A designer, de 29 anos, é casada com um ucraniano, de 25. Durante as primeiras horas de quinta-feira, a guerra chegou e ameaçou apartá-los. Ele queria ficar com os pais. E ela queria fugir “o mais depressa possível”.“Estou numa cidade pequena”, explicava, ao telefone. “Não há aqui um português. Não há uma embaixada. Não tenho carro. Agora deve ser perigosíssimo andar de autocarro.”
Radicara-se em Ivano-Frankivsk, no oeste da Ucrânia. Como chegar a uma fronteira terrestre com a União Europeia? Ou a um dos dois pontos de concentração organizados pela Embaixada de Portugal? Rivne fica a cerca de 280 quilómetros e Khmelnytskyi a cerca de 250. Em direcção ao interior, no sentido contrário à fronteira com a Polónia. “Não faz sentido.”
A mãe afligia-se com ela e por ela, à distância, no Porto. “Quando acabou os estudos, arranjou trabalho como designer de comunicação. O patrão dela quis abrir um negócio na Ucrânia. Ela foi lá dar formação, gostou daquilo, ficou. Entretanto, saiu da empresa e começou a trabalhar por conta própria”, conta, de enfiada. “Ela ligou-me a dizer que está assustada. A qualquer momento podem bombardear a cidade. Ela quer vir embora, mas não sabe como.”
Na ânsia de a ajudar, a mãe contactou o Ministério dos Negócios Estrangeiros, fazendo-a entrar na lista de portugueses a resgatar. E ao padre ortodoxo Vasyl Bundzyak, mediador intercultural do município de Braga, que é originário dessa zona. “Queria ver se ele tinha lá alguém que pudesse encaminhá-la.”
Vasyl nem sabia para onde se havia virar esta quinta-feira. “Eu, pelas 3h45, entrei nas redes sociais e vi que a Rússia começou a invadir a Ucrânia. Fiquei chocado. Chorei. A Rússia começou a bombardear aeroportos, infra-estruturas. Isto dói na minha alma. Contactei a minha mãe, o meu irmão, a minha filha.” Durante a manhã, cerca de meia centena de cidadãos ucranianos residentes em Portugal juntaram-se em frente ao consulado da Rússia, no Porto. Vasyl deslocou-se de Braga, já perto da hora do almoço. Para as 18h30 estava marcada uma nova concentração, mas esperava-o mais uma entrevista, desta vez na rádio.
A mãe de Vasyl mora numa aldeia. “Ela tem 89 anos. Nasceu em 1933. Testemunhou a Segunda Guerra Mundial. Agora, está a chorar. Não quer acreditar que, em pleno século XXI, a Rússia invadiu a Ucrânia.” A filha mora na cidade. “Tem 23 anos. Ela hoje sentiu aquela explosão do aeroporto Ivano-Frankivsk. Está com muito medo.”
Naquele desnorte, Luana recriminava-se mais e mais por ter achado que era tudo conversa, que a Rússia não invadiria a Ucrânia. “Fui descuidada”, dizia. “Estou aqui há quatro anos e não imaginei que isto descambasse. Muita gente me avisou.” Sairia dali sozinha? Como?
Ao aproximar-se o final do dia, tudo se alinhou. O marido concordou em deixar o país. E conseguiram comprar bilhetes de autocarro para a Eslováquia. “Para esta quinta-feira, estava esgotado, mas para esta sexta ainda havia. O meu marido não tem passaporte, não sei como vamos fazer quando chegarmos lá. Passar a fronteira é o mais importante. A situação está muito má. Temos de pensar na nossa vida.”
Hugo Canas saiu no domingo
Hugo Canas é engenheiro civil e estava na Ucrânia há 17 anos. Tinha fundado uma empresa com um sócio norte-americano e uma sócia ucraniana. Domingo, abandonou o país com a mulher, cidadã ucraniana.
“O mais preocupante são os combustíveis. As bombas de gasolina estão vazias”, afirma, numa chamada feita já na Polónia, explicando que de Kiev à fronteira são cerca de 600 km, mas apenas um terço desse caminho é feito em auto-estrada. Mesmo assim, essas estradas encontram-se congestionadas e as pessoas arriscam-se a ficar na estrada sem gasolina e ao frio.
Desde 2013/14, quando houve a revolta contra o então Presidente Viktor Ianukovitch, muito próximo de Vladimir Putin, que a população ucraniana começou a fazer treino militar. Hugo, a mulher e os sobrinhos costumavam treinar tiro com metralhadora aos fins-de-semana, actividades organizadas por associações civis e paramilitares. “O meu sobrinho de 11 anos sabe disparar uma Kalashnikov, mas o que vale uma Kalashnikov contra tanques e mísseis”, questiona.
“Hoje [quinta-feira] as pessoas acordaram apavoradas e a Europa ainda está a dormir”, critica. O engenheiro civil lembra que a Ucrânia tem duas grandes bacias de gás de xisto por explorar e que sairia mais barato do que o gás da Polónia. “A Ucrânia poderia fornecer gás à Alemanha por 35 anos. Depender da Rússia é uma estupidez.”
Alexandre Pinto ainda fica
Viviam na Ucrânia 160 luso-ucranianos e 42 cidadãos com nacionalidade portuguesa, segundo dados revelados pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, quarta-feira à noite na RTP3. Noventa em Kiev e os restantes espalhados pelo país.
Alexandre Pinto, de 57 anos, continua em Poltava, uma cidade com cerca de 350 mil habitantes a sul de Kiev e a 130 km da fronteira com a Rússia. É casado com uma cidadã ucraniana e tem uma filha de 13 anos com dupla nacionalidade. “Já fiz aqui a minha vida, não tenho intenção de sair. Não me sinto seguro, mas não vou deixar ninguém para trás. Se não é para levar todos, não vou.”
Na manhã de quinta-feira, a sua mulher esteve duas horas para levantar numa caixa automática o máximo de dinheiro permitido por cartão: três mil hrivnias (cerca de 90 euros). Olhando em volta, nota que as pessoas estão a abastecer-se ao máximo com os bens alimentares mais básicos. Em Lviv, conta, as sirenes começaram a tocar nesta manhã de quinta-feira e as pessoas “começaram a ser aconselhadas a comprar água e velas”. Lviv é uma cidade junto à fronteira para onde vários serviços diplomáticos estrangeiros se transferiram, saindo de Kiev.