Queria falar-vos da sanduíche que comi no avião
Não estava mal, mas se da próxima vez optarem por me servir comida, não direi que não. Apresentava-se como uma focaccia artesanal com peito de frango, mas revelou-se uma espécie de alimento mutante que me garantiu 650 calorias.
Há aquele momento em que já gostávamos de mexer as pernas e em que o ecrã nas costas do banco da frente ilumina rostos adormecidos com o genérico de um qualquer filme que já terminou. Estivemos entretidos a vê-lo, mas agora já sentimos alguma impaciência. É então que uma certa agitação no fundo do avião nos devolve algum ânimo. Pressentimos o som do carrinho da comida a ser preparado e, tenhamos ou não apetite, consideramos a distracção muito bem-vinda.
Lentamente, os assistentes de bordo vão-se aproximando, parando a cada fila, repetindo a mesma pergunta, que, quando se encontram mais perto, tentamos adivinhar. Soa a algo como “frango ou pizza?”. Ok, logo iremos perceber melhor. Desenhamos um cenário na cabeça, tentando dar forma a cada uma das duas palavras. O aspecto não é promissor, pelo que conseguimos vislumbrar: trata-se de alguma coisa – seja a “galinha” ou a “pizza” – embrulhada em papel e a atirar para o informe.
Finalmente, chega a nossa vez. Decisão rápida e irreflectida: frango. Por alguma razão decidimos que era menos arriscado. Com um sorriso encorajador, a hospedeira passa-nos para as mãos o pequeno tabuleiro com uma sanduíche aquecida. Aceitamos uma bebida e dedicamo-nos a tentar perceber de que consta o “frango”.
Há uma fatia de uma espécie de fiambre e também algo que parece queijo. Nada se assemelha à ideia que temos de um peito de frango. Viramos a embalagem e há toda uma literatura para nos esclarecer. Ou não.
O que recebemos tem o pomposo, e promissor, nome de (estamos numa companhia aérea norte-americana) “carved chicken on italian focaccia”. Bom, muito bom. Primeiro – e isso bastaria – porque, garante-nos a literatura, a focaccia é artesanal. E depois porque tem 650 calorias, o que nos fornece uma parte substancial das que precisamos para sobreviver a este dia. O total de gordura é de 33 gramas, o que representa 42% da dose diária recomendada. Quanto ao colesterol, asseguramos logo aqui 32% da dose diária recomendada, e para o sódio uns reconfortantes 59%.
Passamos então à leitura da lista de ingredientes. Descobrimos que a nossa focaccia aqui se transformou numa ciabatta, que, apesar de ser tão italiana como a primeira, é um pão diferente, mas não vamos ser picuinhas. Seja como for, tem farinha de trigo enriquecida, o que significa que lhe foram acrescentados os nutrientes essenciais que lhe tinham sido retirados no processo usado para tornar a farinha mais branca e fina. Os cinco nutrientes obrigatórios nestes casos são niacina ou vitamina B3, ácido fólico, ferro, tiamina ou vitamina B1 e riboflavina ou vitamina B2. Felizmente, todos estavam repostos na minha ciabatta.
Mas o que mais me fascinou foi mesmo o peito de frango. A fina e pálida fatia que morava dentro da ciabatta, embrulhada em queijo provolone, manteiga de alho com parmesão e queijo creme com couve kale, tinha a seguinte composição: “água, óleo de canola, fécula de batata, temperos, base de frango assado e pimenta preta”. Não sei se posso concluir que o peito de frango aqui era sobretudo uma inspiração, uma ideia remota. Havia, quando muito, uma evocação do que poderia ser o seu aroma e sabor na “base de frango assado”, deduzo que um caldo concentrado destinado a dar sabor à fécula da batata.
Leio mais tarde que a fécula de batata é um dos ingredientes que “não são carne” mais utilizados na indústria da carne, o que me parece ter um lado positivo para os vegetarianos – ou pelo menos para os flexitarianos, que assim reduzem um pouco a quantidade de proteína animal ingerida diariamente.
Outra informação que encontro indica que, por exemplo, no Reino Unido, cada pessoa obtém, em média, 56 % das calorias a partir de comida ultraprocessada. E aprendo também a identificar alimentos ultraprocessados: são aqueles que, entre outras coisas, têm uma longa lista de ingredientes, alguns desses ingredientes não são reconhecíveis, e a quantidade de gordura, açúcar e sal que contêm é bastante elevada. Penso que é seguro dizer que a minha sanduíche preenche todos estes requisitos. Não estava mal, mas se da próxima vez optarem por me servir comida, não direi que não.