Desenvolvimento de Portugal: um continuado desassossego

É na Europa, e nada mais, que Portugal tem hoje o seu tempo e espaço económicos. É aqui que tenta desenvolver-se através do mantra da “sustentabilidade competitiva”, mas o certo é que tem vacilado sempre. Porquê?

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O fomento de modelos de negócio verde é decisivo para acelerar a transição das economias para a sustentabilidade ambiental Miguel Manso

A internacionalização da nossa economia privilegiou historicamente a via marítima e o relacionamento ultramarino, beneficiando de contextos geopolíticos favoráveis ao poderio anglo-saxónico e protegendo-se dos poderes continentais, exceto em curtos períodos de funestas consequências, aliás. E foi com este enquadramento que se fizeram tentativas de arranque de moderno crescimento económico, no século XIX e em meados do século XX. Mas, encerrado o longo ciclo colonial e sem “Commonwealth lusófona”, o nosso tempo económico é agora europeu e nada mais.

A Europa a que acostámos definitivamente tem vindo a definir uma agenda económica sustentada no compromisso político tradicional entre democratas-cristãos e sociais-democratas, agora alargado aos liberais.

Esta agenda está sintetizada no mantra da “sustentabilidade competitiva”, que é suportado em quatro pilares. Apresenta-se como tendo sido sempre o cerne da chamada economia social de mercado da Europa, e aponta para um modelo económico capacitado por tecnologias digitais e limpas, que quer fazer da União Europeia (UE) um líder transformacional. Quanto aos quatro pilares, são eles: a sustentabilidade ambiental, a produtividade, a equidade social e a estabilidade macroeconómica, fortemente inter-relacionados e reforçando-se, desejavelmente, uns aos outros. (1)

Em todos eles, a economia da UE tem registado avanços e dificuldades, e Portugal neles tem sempre vacilado, como se analisa de seguida.

Sustentabilidade ambiental

A dimensão ambiental da sustentabilidade competitiva inspira estratégias europeias relativas ao clima e à energia (hidrogénio, energias renováveis offshore), ao combate às emissões de metano, em prol da biodiversidade, da economia circular, da poluição zero, e da mobilidade sustentável e inteligente. Desenvolveram-se também iniciativas de tributação verde para alinhar as políticas fiscais e climáticas da UE, querendo incentivar modelos de negócio verdes.

O quadro abaixo apresenta um indicador sintético dos impactos ambientais da economia: a produtividade carbónica, medida pelo rácio “Produto Interno Bruto (PIB) em termos reais por unidade de emissões CO2 relacionadas com energia”.

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Há 20 anos, o ponto de partida dos vários países europeus era diferenciado, variando entre a alta eficiência carbónica da Suécia (6,7 dólares/kg) e os modestos 1,8 dólares/kg da República Checa. A média europeia (4,26 dólares/kg) estava bem acima dos EUA (2,40 dólares/kg) e Portugal estava um pouco acima da média da UE (5,15 dólares/kg).

Nas duas décadas seguintes, a Irlanda, a República Checa, a Suécia e outros países nórdicos lideraram os ganhos de eficiência, com destaque para a primeira: partindo de um nível inferior ao de Portugal, têm hoje uma produtividade carbónica só superada pela Suécia e foi o único país a melhorar o índice no ano da pandemia; entretanto, Portugal progrediu em linha com a média europeia.

Neste pilar da agenda europeia, o fomento de modelos de negócio verde é decisivo para acelerar a transição das economias para a sustentabilidade ambiental. Neste século, a UE ampliou a vantagem a este respeito: cerca de 13% das tecnologias em uso são hoje relacionadas com o ambiente, contra 9% nos EUA, e há casos notáveis entre os Estados-membros. Destaca-se a Dinamarca, acima dos 20%, sendo notável a evolução da Alemanha, da República Checa e dos países nórdicos, bem acima dos 10%. Portugal regrediu neste domínio, depois de 2010, estabilizando abaixo dos 10% em 2017, ao nível do ano 2000. (2)

Produtividade

Este pilar é o motor incontornável da competitividade. De acordo com dados da OCDE (Green Growth Indicators), a Irlanda lidera os ganhos de produtividade, mais do que duplicando o valor do indicador entre 2000 e 2019, acompanhada pela República Checa e quase todos os Estados nórdicos. Alemanha, França, Grécia, Itália, Holanda, Espanha e Portugal registam ganhos modestos (mais preocupantes para os que partem de níveis iniciais mais baixos, como é o nosso caso). O conjunto da UE divergiu dos EUA, atrasando-se em cerca de 11 pontos percentuais no período.

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Que fatores estão a impulsionar o crescimento da produtividade do trabalho? O nível mais elevado de produção por unidade de força de trabalho é conseguido pela intensificação do uso do capital (capital deepening) e/ou através de uma maior eficiência global da combinação do trabalho e do capital, a chamada produtividade multifatorial.

A intensificação do uso do capital é a fonte principal do acréscimo de produtividade em Portugal, tendo a contribuição da produtividade multifatorial sido negativa e superior ao valor absoluto do capital deepening na maior parte daqueles anos, em contraste absoluto com o que se passou nos EUA, na Alemanha e, notavelmente, na República Checa. (Com este panorama nacional de baixa eficiência na utilização dos fatores produtivos, discutir a semana laboral dos quatro dias afigura-se, pelo menos, bizarro!)

O aumento da produtividade necessita de inovação tecnológica como de pão para a boca, e aí as assimetrias são grandes.

Portugal e Espanha regrediram no esforço de investimento empresarial em investigação e desenvolvimento (I&D), entre 2011 e 2017; mas a Grécia, a República Checa e a Itália cresceram muito. Os países nórdicos, a Alemanha e a França superam ou ombreiam com os EUA e o Japão. O investimento público tem, entretanto, vindo a reduzir a sua parte, em quase todos os países. Mas as instituições do ensino superior, muitas delas públicas e todas fortemente subsidiadas pelo Estado, têm papel assinalável, sobretudo onde o esforço privado é menor, embora tenda a declinar na maioria dos casos. Em Portugal, esta componente do investimento em I&D foi a única a crescer moderadamente na década passada, sem compensar, no entanto, as quebras das outras componentes. (3)

Equidade social

A transição verde e, sobretudo, a digital têm impactos sociais assimétricos, beneficiando grupos de elevadas habilitações, penalizando populações menos qualificadas e certas regiões, e aumentando desigualdades de género. A crise pandémica acentuou as assimetrias, fragilizando ainda mais o pilar da equidade social.

A transição digital implica substituir sistemas produtivos baseados em tarefas rotineiras por tecnologias digitais com forte automatização do que é repetitivo, libertando o trabalho para tarefas não rotineiras, mas que exigem qualificações mais elevadas. Os países, como Portugal, cujos sistemas exibem maior intensidade de tarefas rotineiras conhecem as maiores dificuldades de transição, dada a carência estrutural de qualificações profissionais adequadas à transição digital entre as suas populações ativas. (4)

As políticas ativas do mercado de trabalho e os sistemas de proteção do Estado social são da maior importância para mitigar os impactos negativos da transição digital. A educação, a formação e a qualificação profissional são promotoras da inclusão e amigas do crescimento económico; os sistemas de proteção social impedem que os menos qualificados fiquem para trás.

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A transição digital implica substituir sistemas produtivos baseados em tarefas rotineiras por tecnologias digitais com forte automatização do que é repetitivo Adriano Miranda

As políticas seguidas nos vários países da UE apresentam combinações diversas de medidas passivas (prestações de desemprego e reformas antecipadas) e de medidas ativas de mercado de trabalho.

Existe uma diferença notória entre os países do Norte e os do Sul da Europa, com os primeiros a recorrerem cada vez menos aos esquemas de reforma antecipada e a reduzirem as despesas com as prestações de desemprego, privilegiando as medidas ativas. Ao contrário, Portugal (e não só) é um grande utilizador da reforma antecipada, perante as dificuldades em realizar o upgrade digital maciço dos seus recursos humanos. (5)

Um constrangimento importante da equidade social diz respeito ao envelhecimento demográfico. Tem expressão relevante na UE, e Portugal faz parte do grupo de Estados-membros mais envelhecidos.

Os ganhos sustentados da longevidade, combinados com a redução drástica da fecundidade desde os anos 1980, ditaram uma dinâmica de envelhecimento que levará Portugal a ter, previsivelmente, a idade média mais elevada da Europa (52,6 anos) a partir de 2050. (6)

Sendo assim, o envelhecimento ativo e saudável da população portuguesa é imperativo, para limitar a pressão do envelhecimento demográfico sobre os cuidados de saúde e de longa duração e seus efeitos nas finanças públicas do Estado social. Todavia, as necessárias políticas de mercado de trabalho pró-envelhecimento ativo solicitam a superação do défice atual de políticas de recursos humanos das empresas capazes de aproveitar todo o potencial dos trabalhadores mais velhos, o que se tem revelado um círculo vicioso de difícil resolução.

Estabilidade macroeconómica

A Comissão Europeia tem afirmado que a UE deve aumentar ainda mais a estabilidade da sua economia como condição prévia para garantir a resiliência contra choques futuros (7). Assim, garantir a resiliência económica e social contra choques inesperados, como aquele que vivemos com a covid-19, deve ser compatibilizado com finanças públicas mais amigas do crescimento.

Para monitorizar o desempenho macroeconómico dos Estados da UE, está instituído um mecanismo de alerta sobre a evolução dos desequilíbrios e dos riscos emergentes. Estão bem identificados os principais desafios à estabilidade, com expressão desigual nos Estados-membros; relativamente a Portugal, a Comissão “regista desequilíbrios macroeconómicos relacionados com os elevados volumes de passivos externos líquidos e das dívidas pública e privada, mantendo-se os empréstimos não produtivos a um nível elevado, num contexto de baixo crescimento da produtividade”.

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A Comissão Europeia tem afirmado que a UE deve aumentar ainda mais a estabilidade da sua economia como condição prévia para garantir a resiliência contra choques futuros NUNO FERREIRA SANTOS

No painel de avaliação atualizado a 2020, vários indicadores estão acima dos seus limiares indicativos, designadamente a posição líquida de investimento internacional (PLII), as dívidas pública e privada, o crescimento dos preços da habitação, o crescimento do custo unitário do trabalho (CUT) e a taxa de atividade. (8)

Razão do desassossego

Ancoradas definitivamente na Europa, conseguirão as elites portuguesas superar as recorrentes incapacidades de desenvolvimento sustentado que têm marcado a nossa história?

No passado, o país falhou no arranque económico por “efeito do pouco conhecimento dos negócios, de pouca grandeza de alma e de excessiva cobiça de ganhar depressa e muito, empregando pouco capital e fazendo poucos esforços de vontade e de inteligência” (como resumiu Andrade Corvo em 1861).

A democracia não estabilizou ainda um modelo de desenvolvimento sustentável. Houve uma espécie de neofontismo, com autoestradas, energias renováveis, promessas de TGV, ensino massificado da Língua Inglesa e sensibilidade social q.b., tudo com financiamento europeu, que a crise das dívidas soberanas e o ajustamento de 2011-13 puseram em causa.

De então para cá, houve reposição de rendimentos e um plano de fomento (Costa e Silva) logo arquivado, e apenas regenerado no PRR submetido e aprovado pelo Conselho da União Europeia.

Parece, no entanto, continuar a faltar uma clara vontade política desenvolvimentista suportada por uma coligação social reformadora capaz de impulsionar todos os quatro pilares da agenda económica europeia que é também a nossa (o que poderá resultar do “aumento da proporção do segmento ‘consumo’ na estrutura social do eleitorado e, por conseguinte, a crescente dependência da distribuição originada no Estado”, como sugere Vítor Bento (9) em ensaio recente?). Razão de sobra para um continuado desassossego a respeito do desenvolvimento de Portugal.


1. European Commission, Annual Sustainable Growth Survey 2022, COM (2021) 740 final.

2. Cf. OCDE, Green Growth Indicators

3. OCDE, Global Forum on Productivity.

4. João Cerejeira, Digital Transformation, Employment and Skills, in G. M. Bovenzi (coord.) Next Generation EU. A Southern-Northern Dialogue, ELF-Fondazione Luigi Einaudi, 2021

5. Fernando R. Mendes e Ana J. Sepulveda, Ageing, employment and the generation divide, in G. M. Bovenzi (coord.), op.cit.

6. European Parliament, Demographic Outlook for the European Union 2020.

7. Comissão Europeia, Annual Sustainable Growth Survey 2022, COM (2021) 740 final.

8. Comissão Europeia, Relatório sobre o Mecanismo de Alerta de 2022, COM (2021) 741 final (que aponta para a realização de apreciações aprofundadas relativamente a 12 Estados-membros: Croácia, Chipre, França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Itália, Países Baixos, Portugal, Roménia, Espanha e Suécia dados os desequilíbrios existentes).

9. Jornal Observador, 6-02-2022.


Economista. Professor do ISEG (aposentado). Presidente do Think-tank Cidadania Social

Este artigo faz parte do projecto A Europa que Queremos, apoiado pela União Europeia.

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