Chaves, a cidade líquida protegida pelas ninfas
Podem ser muralhas o seu rosto mais constante, mas estas são o preço a pagar pela localização fronteiriça. Porque o coração de Chaves é líquido e os romanos já o sabiam: é a água, a que corre (ou finge correr) no Tâmega e a que brota do solo a mais de 74 graus de temperatura, a verdadeira essência da cidade, que assistiu a muitas batalhas, viu nascer uma dinastia e até imprimiu os primeiros livros em português.
Se no final de uma manhã de Inverno de 2022 um viajante chega a Chaves, o desconcerto. O frio que por tradição (e, claro, por geografia) se associa à cidade transmontana está ausente - e a tarde parecerá uma amena Primavera que se reflecte com a nitidez de um postal turístico nas águas tranquilas do rio Tâmega. Pelo meio, alguém entra num café e cumprimenta os funcionários com um “Parece que o Verão já chegou” recebido com risos cúmplices - só parece que não chegou quando se entra na Igreja Matriz, dois crentes em recolhimento entre a pedra que se eleva em paredes quase nuas e ar gélido. Em breve, talvez o cenário, que é como quem diz, a temperatura, se altere também no interior do templo: as obras que criam valas pelas ruas empedradas, e que também orbitam em torno deste, estão a levar a energia geotérmica a edifícios de Chaves. E, nesse processo, ajudam a destapar o passado da cidade: ao lado da igreja, o pelourinho manuelino quase passa despercebido entre os carros que o rodeiam e os tapumes que fecham parte do largo onde há um muro romano, caixas tumulares medievais e não se sabe o que mais a serem desenterrados. É outra tradição muito flaviense, abre-se um buraco e o passado vem reclamar o seu presente. Estes trabalhos de instalação da que foi anunciada como a maior rede de geotermia do país até como que representam um fechar de ciclo deste devir, ou não fosse Chaves a herdeira da Aquae Flaviae romana, afamada, já então, pelas suas fontes termais, que brotam do solo a 74 graus - as mesmas que vão agora aquecer a cidade.
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