Café de São Bento: o clássico muda de mãos mas promete não mudar mais nada. Nem o bife
O histórico restaurante, quase a celebrar 40 anos na Rua de São Bento, em Lisboa, foi comprado pelo empresário Miguel Garcia, que quer preservar o espírito, a equipa e os célebres bifes que deram fama ao espaço. E sonha em levar tudo isto até ao Porto.
Não há nada como um bom clássico, e uma cidade precisa de os ter, acredita Miguel Garcia. Por isso, acaba de comprar um dos restaurantes mais emblemáticos de Lisboa: o Café de São Bento. O objectivo, explica à Fugas o empresário que há 22 anos está ligado ao mundo da restauração e da hotelaria, é manter a casa exactamente como ela sempre foi, com a mesma equipa de funcionários que conhecem pelo nome os muitos clientes habituais e, claro, com o bife, inspirado no antigo bife à Marrare, que é a imagem de marca do Café de São Bento desde que este abriu portas, em 1982 – faz no próximo mês de Julho 40 anos.
“Não vou tocar na alma nem na essência”, garante Miguel Garcia. Nas suas frequentes viagens pelo mundo, fascinam-no precisamente os lugares que têm histórias para contar e, portanto, a haver alterações no Café de São Bento, elas serão apenas em detalhes. Foi esta garantia que levou os antigos proprietários (três sócios dos cinco iniciais) a decidir vender neste momento a casa, que, nas últimas décadas, foi crescendo dentro do prédio da Rua de São Bento e depois para um segundo espaço no Time Out Mercado da Ribeira.
Uma das ideias de Miguel Garcia é voltar a fazer crescer o Café de São Bento, desta vez para o levar até ao Porto. “Não se trata de replicar por replicar”, sublinha, garantindo que só concretizará esse plano quando “encontrar um espaço que faça sentido”. E, com a preocupação de assegurar que a “filosofia de serviço” é exactamente a mesma, todos os funcionários do restaurante do Porto serão formados na casa mãe de Lisboa.
Para celebrar os 40 anos do Café de São Bento e contar o que é a tal essência que faz deste local um verdadeiro clássico, Miguel espera poder editar ainda este ano um livro de homenagem ao restaurante. “Há uma vida muito rica ali”, repete.
E isso confirma-se quando conversamos com um dos sócios ex-proprietários, António Miranda Cabral, que conhece todas as histórias do Café, desde os inícios na Lisboa dos anos 80, quando a ementa oferecia apenas o célebre bife, já considerado, quer pelo jornal A Capital quer pela Time Out, como o melhor da cidade.
Situado a dois passos da Assembleia da República, o lugar ganhou fama como sendo o poiso habitual de muitos políticos, mas, se isso é verdade (a excepção, revela o antigo proprietário, é Cavaco Silva, que nunca lá foi), a clientela, segundo Miranda Cabral, é muito mais vasta e é possível muitas vezes encontrar três gerações de uma família à mesma mesa.
Num verdadeiro clássico, a fidelidade dos clientes conquista-se com atenções especiais e durante muito tempo uma delas foi manter uma base de dados com as datas de aniversário de todos os que frequentavam habitualmente o Café. “Todos os dias um funcionário ia pôr no correio uma carta de parabéns para algum dos nossos clientes. E muitos escreviam-nos de volta a agradecer. Temos, entre outras, uma carta de resposta de Mário Soares.”
Quanto ao bife, acompanhado por batatas aos palitos e, para quem desejar, com ovo a cavalo, se a inspiração no histórico Marrare, do século XIX, é assumida, a verdade é que “o molho foi sendo apurado” e, sim, é um segredo da casa, que passará agora para a sua segunda vida, a par do Bife à Portuguesa e do simplesmente grelhado. Mas, como os tempos mudam, a carta do Café de São Bento foi sendo alargada com uma oferta mais variada que passa, para os menos carnívoros, pelo Strudel de Bacalhau e por uma Trouxa Mediterrânica criada a pensar nos vegetarianos. Isto para além das entradas e das sobremesas (com destaque para a igualmente clássica Tarte Tatin com gelado de baunilha) que foram crescendo também ao longo das últimas quatro décadas.
Estas mudanças surgiram como resposta à concorrência sempre crescente numa cidade como Lisboa, explica Miranda Cabral. “Quando abrimos, como concorrentes directos só existiam o Old Vic e o Snob”, recorda. Mas, se o facto é que ainda hoje “95 a 98% dos clientes vêm pelo bife”, é preciso oferecer alternativas a quem prefere não comer carne. E assim continuará a ser.
As pessoas procuram cada vez mais os sítios com história, as raridades”, afirma, por seu lado, Miguel Garcia. “Não é só o que se come, é sentir que se está num sítio onde já se passou tanta coisa. Isso é único.” E é o que, com a ajuda de uma equipa de funcionários, alguns dos quais com mais de 30 anos de casa, se compromete a manter daqui para a frente. O Café de São Bento mudou de mãos mas, como um bom clássico, promete continuar a ser o que sempre foi.