Covid-19: Paris e Bruxelas põem trancas à porta para travar protestos inspirados no Canadá

Autoridades francesas e belgas proíbem entrada da “Caravana da Liberdade” nas respectivas cidades, para evitar bloqueios como o de Otava. Organizadores dos protestos contra as restrições sanitárias querem paralisar a capitar belga na segunda-feira.

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Manifestantes já iniciaram a viagem para a capital francesa ERIC GAILLARD/Reuters

Depois do Canadá – onde o movimento nasceu e causou maiores perturbações – e de países como a Austrália ou a Nova Zelândia, a “Caravana da Liberdade” (“Freedom Convoy”, no original) prepara-se para varrer o continente europeu, em protesto contra restrições sanitárias impostas pelos Governos, no âmbito do combate à pandemia de covid-19.

Perante os relatos de que foram milhares de pessoas foram convocadas para se juntarem nos próximos dias em Paris e em Bruxelas, através das redes sociais, as autoridades dos dois países decidiram antecipar-se, e anunciaram nesta quinta-feira que vão barrar o acesso destes manifestantes às respectivas cidades.

O objectivo é evitar que os protestos tenham o mesmo desfecho das manifestações do Canadá: o bloqueio de Otava e a declaração de estado de emergência na sua capital; e o encerramento forçado de um dos postos fronteiriços mais movimentados entre o país e os Estados Unidos.

Dezenas de camionistas saíram na quarta-feira de cidades no Sul de França, como Nice, Baiona ou Perpignan, com o objectivo de chegar a Paris na sexta-feira à noite.

Ao mesmo tempo, o Politico teve acesso a mais de 30 grupos da rede social Telegram onde se está a apelar aos cidadãos antivacinas e antirestrições dos 27 Estados-membros da União Europeia que se desloquem até Bruxelas no dia 14 para paralisar a cidade, sede institucional da União Europeia.

“Será criado um mecanismo específico (...) para evitar bloqueios de estradas, e para multar e deter os infractores”, informou ao início da manhã a polícia parisiense, justificando a decisão, aplicável entre os dias 11 e 14 deste mês, com os “riscos” que um “bloqueio da capital” francesa podem trazer para a “ordem pública”.

Os camionistas e condutores que violarem as ordens da polícia podem ter de pagar uma multa até 4500 euros, ver as suas cartas de condução suspensas e, no limite, ser condenados a um máximo de dois anos de prisão.

Horas mais tarde, e já depois de Annelies Verlinden, ministra do Interior do Governo belga, ter assumido que não sabia “quais os planos concretos da ‘Caravana da Liberdade Europeia’” e ter dito não era possível “estimar o tamanho exacto” do protesto, o presidente da câmara de Bruxelas também anunciou a sua proibição.

“Tomámos a decisão de proibir a ‘Caravana da Liberdade’. Não está autorizada a manifestar-se porque não foi enviado qualquer pedido [às autoridades de Bruxelas]. Vão ser tomadas medidas para prevenir o bloqueio da região metropolitana de Bruxelas”, escreveu Philippe Close no Twitter.

O facto de a convocatória estar a ser feita através de chats privados e redes sociais torna muito difícil perceber quantas pessoas podem convergir efectivamente em Bruxelas na próxima segunda-feira.

Modelo canadiano

O modelo de protesto que está a abalar o Canadá – e que conta com o apoio do ex-Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e da ala mais radical do Partido Republicano –, posiciona a oposição à vacinação e às restrições pandémicas como uma batalha em defesa das liberdades individuais, e assenta no bloqueio de estradas e dos principais acessos a cidades e postos fronteiriços.

No início da semana, Jim Watson, presidente da Câmara de Otava, requisitou o apoio das autoridades federais para responder à “mais grave situação de emergência que a cidade alguma vez enfrentou”. “A situação está completamente fora de controlo”, assumiu.

Os protestos no Canadá arrastam-se desde o dia 28 de Janeiro e, nos últimos dias, foram replicados em países como a Austrália ou a Nova Zelândia. Agora, parece ter chegado a vez da Europa.

“O perigo é que eles [os manifestantes] repliquem aquilo que aconteceu no Canadá no centro do poder da UE. O movimento é alimentado por conspirações e é um disseminador de desinformação gritante”, alerta Ciaran O’Conner, analista do Institute for Strategic Dialogue, um think tank que monitoriza extremismo online.

Guerra ao “passaporte sanitário”

No caso francês, para além de se querer impedir o bloqueio de Paris, teme-se que a capital volte a ser palco de motins e de violência urbana, à semelhança do que aconteceu durante vários fins-de-semana consecutivos, entre 2018 e 2019, durante as manifestações do movimento inorgânico de protesto dos “Coletes Amarelos”.

O principal motivo do protesto em França prende-se com a obrigatoriedade de apresentação do chamado “passaporte sanitário” – um certificado específico de vacinação – para o acesso a restaurantes, cafés, eventos culturais e transportes públicos de longa distância, entre outros locais e eventos.

O tema da vacinação contra a covid-19 é particularmente sensível em França e tem sido usado como arma de arremesso contra Emmanuel Macron, depois de este ter assumido, numa entrevista, que a estratégia do Governo para aumentar o número de vacinados, passava por “emmerder” os não-vacinados – uma expressão traduzível para algo como “irritar”, “chatear”, “lixar” ou mesmo “fazer a vida negra”.

O país realiza eleições presidenciais em Abril, pelo que se espera que protestos como os que estão agendados para o final desta semana em Paris se tornem cada vez mais comuns e ruidosos durante os próximos meses.

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