Cientistas europeus (incluindo portugueses) obtêm recorde de energia de fusão nuclear sustentada

A experiência de fusão dos átomos durou apenas cinco segundos num reactor experimental localizado no Reino Unido.

Foto
Dispositivo de fusão Joint European Torus (JET), no Reino Unido UKAEA

Investigadores europeus, incluindo portugueses, atingiram de forma sustentada um recorde de energia de fusão num teste que visa preparar a operacionalização do maior reactor de fusão nuclear experimental do mundo, em construção em França, foi anunciado esta terça-feira.

O anúncio foi feito em comunicado conjunto pelo Instituto Superior Técnico (IST) e pelo Eurofusion, consórcio europeu para o desenvolvimento de energia de fusão, do qual faz parte o IST, através do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN).

Os cientistas e engenheiros obtiveram um “valor recorde de 59 megajoules de energia de fusão sustentada” no dispositivo de fusão Joint European Torus (JET), o maior do género no mundo, a funcionar no Reino Unido, segundo comunicado. Na experiência-relâmpago, que durou cinco segundos, o JET alcançou uma potência média de fusão (energia por segundo) de cerca de 11 megawatts.

O maior reactor de fusão nuclear experimental do mundo, o International Thermonuclear Experimental Reactor (ITER), em construção no Sul de França, estará preparado para produzir 500 megawatts por períodos de 400 a 600 segundos, devendo começar a funcionar, numa primeira etapa, entre 2026 e 2027.

O Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear participa no ITER com sistemas de detectores que permitem “determinar alguns parâmetros do plasma no interior do dispositivo”, como densidade e temperatura, e com “o controlo e a aquisição dos dados” que serão posteriormente analisados, disse à Lusa o presidente do instituto, Bruno Soares Gonçalves.

A experiência cujo resultado foi agora anunciado aconteceu em finais do ano passado e faz parte de uma campanha de ensaios promovida pelo consórcio europeu Eurofusion e que, segundo Bruno Soares Gonçalves, “ajuda a preparar o ITER” com dados “bastante consistentes”.

O envolvimento do IPFN nas experiências com o dispositivo JET está focado na operação e no tratamento de dados.

O comunicado conjunto refere que o valor recorde registado na mais recente experiência “é a demonstração mais clara do potencial da fusão nuclear para fornecer energia de baixas emissões de carbono, segura e sustentável”, assinalando que “os resultados estão completamente alinhados com as previsões”.

Numa experiência anterior, em 1997, a energia de fusão alcançada tinha sido de 21,7 megajoules, menos de metade da atingida em finais de 2021. A “potência de pico” de 16 megawatts atingida brevemente em 1997 “não foi ultrapassada nas experiências mais recentes, pois o foco tem sido obter energia de fusão de um modo sustentado”, ressalva a mesma nota.

O ITER, um projecto mais avançado do que o JET, com desactivação prevista para 2025, visa demonstrar a viabilidade científica e tecnológica da energia de fusão. “Mas não transformará essa energia em electricidade”, esclareceu Bruno Soares Gonçalves.

Reunindo como parceiros a União Europeia, a China, o Japão, a Índia, a Coreia do Sul, a Rússia e os Estados Unidos, o ITER, que conta também com a participação de empresas portuguesas, será a “antecâmara” da futura central energética europeia de demonstração de fusão DEMO, em estudo e com a qual se pretende testar a produção de electricidade de uma forma “limpa e segura”.

Imitar o Sol

No comunicado, o IST e o Eurofusion, consórcio que junta milhares de investigadores e técnicos europeus, salientam que a fusão nuclear, “o processo que alimenta estrelas como o Sol, representa uma fonte de electricidade limpa, quase ilimitada e de longo prazo, usando pequenas quantidades de combustível que podem ser obtidas por todo o globo a partir de materiais baratos”.

O processo de fusão, o oposto da fissão de átomos pesados em que assenta a energia nuclear actual, “consiste em juntar átomos de elementos leves, como o hidrogénio, a altas temperaturas, formando hélio e libertando uma enorme quantidade de energia na forma de calor”, acrescenta a nota, ressalvando que “a fusão é inerentemente segura, uma vez que não pode dar origem a um processo de produção descontrolado”.

O dispositivo JET, que “pode atingir condições semelhantes” às do reactor experimental ITER e às das futuras centrais de fusão, é o único do género a trabalhar no mundo “onde se consegue usar a mesma mistura de combustível deutério-trítio” planeada para máquinas mais sofisticadas e potentes.

No JET são gerados plasmas (estados da matéria obtidos mediante a ionização quase completa de um gás a temperaturas muitíssimo elevadas) capazes de atingir temperaturas de 150 milhões de graus Celsius, “dez vezes mais quentes que o centro do Sol”.

Nos plasmas ocorrem reacções de fusão. Numa central comercial de fusão nuclear, a energia produzida pelas reacções de fusão será usada para gerar electricidade.

A fusão “permite gerar quase quatro milhões de vezes mais energia do que a que é consumida em carvão, petróleo ou gás”, com “combustível abundante e sustentável” e com “baixas emissões” poluentes.

Para o coordenador do programa do consórcio Eurofusion, Tony Donné, citado em comunicado, está-se “no caminho certo para um futuro movido a energia de fusão”. “Se conseguimos manter a fusão por cinco segundos, podemos vir a fazê-lo por cinco minutos e depois por cinco horas, à medida que ampliamos a escala da nossa operação em máquinas futuras”, afirmou.