Animais mal compreendidos e temidos pela maior parte de nós, os tubarões são na verdade seres extraordinários, com uma evolução com cerca de 450 milhões de anos, muito para além da existência dos dinossauros, das árvores e do ser humano.
Sobreviventes de pelo menos cinco grandes extinções em massa, os tubarões tiveram tempo suficiente para se adaptarem, evoluírem e adquirem atributos que fazem com que sejam “perfeitos” para o seu meio ambiente. Sendo uma evolução bastante madura, um predador de topo e um sobrevivente nato, os tubarões têm um segredo que faz inveja a qualquer ser: um sistema imunitário “perfeito”, quase invencível com propriedades curativas e regenerativas altamente eficazes. Mas não só.
Na verdade, os anticorpos dos tubarões são altamente eficientes a atacar doenças devido ao facto de os anticorpos serem extremamente pequenos, em comparação com um humano: são um décimo do tamanho de um anticorpo nosso, o que lhes dá a oportunidade de atacar a molécula da doença com mais eficácia e precisão. Além disso, conseguem neutralizar os vírus de uma forma muito simples: o vírus é desactivado e não se consegue reproduzir, o que acaba por neutralizá-lo e, consequentemente, provocar a sua morte. Isto faz o tubarão imune a doenças e vírus, como é o caso do SARS-CoV-2.
Além de muito raramente ficarem doentes, a pele dos tubarões é uma autêntica armadura, formada por dentículos dérmicos sobrepostos que fornecem uma barreira impenetrável a qualquer microorganismo. As suas propriedades hidrodinâmicas e organização resultam numa redução drástica da turbulência, conferem-lhe velocidade e, ao mesmo tempo, impedem as moléculas de se fixarem na pele, tal como uma película repelente. Nesta medida, pode afirmar-se que os vírus e as doenças perigosas para os seres humanos – como sofremos agora com a covid-19 – não representam problema nenhum para o tubarão, pondo o nosso sistema imunitário a um canto vergonhoso. Só por isso são seres extraordinários.
Tiveram cerca de 450 milhões de anos para aperfeiçoarem e evoluírem o seu organismo, enquanto o dos humanos é relativamente recente, com cerca de seis milhões de anos. É uma diferença incomparável.
Para realmente entendermos o quanto estes animais são “perfeitos”, vale a pena lembrar a sua natureza de peixes predadores possuidores de um esqueleto de cartilagem, semelhante ao nosso nariz ou orelhas. Isso dá ao tubarão uma diversidade de vantagens em comparação com uma estrutura de osso, fazendo com que sejam mais leves, rápidos e ágeis, o que acaba por consumir menos energia; além de que a cartilagem é muito resistente e elástica.
A constituição corporal dos tubarões é feita para velocidade, agilidade e optimização de energia, o que os leva a nadar quase por magia e sem esforço. A sua flutuabilidade deve-se ao enorme fígado que, cheio de óleo, representa cerca de 30% do peso total do tubarão, actuando, por isso, como uma espécie de bóia.
Capazes de armazenar até 2000 litros de óleo em algumas espécies, em casos extremos podem aguentar até um ano sem comer. Daí que a ideia de serem animais insaciáveis que devoram tudo é apenas mais um mito. Antes pelo contrário: os tubarões têm uma alimentação bastante optimizada, devido precisamente ao fígado que possuem – órgão em que é produzido o tão famoso esqualeno em grandes quantidades, com propriedades antioxidantes, desintoxicantes, hipocolesterolémica e anticancerígeno.
Infelizmente para eles e para nós, a pior das imagens foi colada a estes animais anciãos tão mal compreendidos e… temidos. A verdade é que eles não atacam pessoas com intenção, simplesmente por não fazermos parte da “ementa” deles. Comem animais mortos, debilitados, fracos ou feridos. A função deles é equilibrar, manter o oceano saudável e dar origem a melhores gerações. Sem tubarões, o equilíbrio dos mares acabaria por colapsar e tornar-se-ia estéril. E um oceano morto é um planeta morto, toda a vida depende dele. Por isso, a sua preservação é de importância máxima.
Por serem animais incríveis, detentores de sistemas extraordinários, e ao mesmo tempo devido a essa “má reputação”, os tubarões sofrem muito em silêncio, fora do nosso olhar. A pesca, directa e indirecta, está a extingui-los a um ritmo infernal e desumano. Muitos morrem em grande sofrimento e agonia ainda vivos, quando, amiúde, lhes removem as barbatanas para o comércio das iguarias asiáticas. Resultado: sufocam e são esmagados pelo próprio peso fora de água. E, ainda vivos, quando atirados à água, acabam por morrer no fundo do mar, sufocados pela impossibilidade de ventilar.
Actualmente, quase todos os tubarões têm classificação de espécie em vias de extinção, alguma mesmo de grau grave e outras críticas. Um animal tão incrível, que sobreviveu 450 milhões de anos de sucessivas matanças em massa, corre o risco sério de não sobreviver nem um século ao ser humano. Que vergonha!
Estima-se que, por ano, no mínimo, sejam mortos cerca de 100 milhões de tubarões – um número infernal se comparado com o seu ritmo de produção. Em comparação, o tubarão faz cerca de dez vítimas humanas por ano.
A nível europeu, Portugal está classificado em terceiro lugar como país que mais exporta/importa tubarão e raia, ranking chocante por ser um país tão pequeno. Sendo Portugal um dos países com uma das mais ricas e variadas vidas marinhas na União Europeia, o que fazemos nós? Destruímos o que temos de melhor em vez de preservar e valorizar.
Pior, ainda: a chacina expande-se também a todos os restantes animais marinhos, com a pesca intensiva e a poluição a destroçar o suporte de vida do planeta: o oceano.
*Docente convidado (Eletrónica e Computadores) do Instituto Politécnico de Beja