No quarto de Youri
Na sobreposição entre o documento e o idealismo romântico, sonhadoramente melancólico, este filme nunca se perde.
Eis um filme capaz de injectar algum fôlego ao género do cinema de inspiração social, entre o documento da realidade e a elaboração mais ou menos romântica, e que nunca se confunde com o martelar de ideias feitas na cabeça do espectador. Gagarine, em homenagem ao famoso cosmonauta russo, era o nome de um bairro construído nos anos 60, num município dos subúrbios parisienses dirigido por uma mairie comunista, para albergar uma população constituída sobretudo por operários. Ao longo das décadas que passaram, o bairro sofreu as mutações sofridas por tantos subúrbios equivalentes, da variação demográfica (os operários deram lugar a uma população maioritariamente imigrante, vinda das ex-colónias africanas) à devastação económica, com os consequentes efeitos sociais (violência, tráfico de droga). Mas permaneceu um símbolo de uma época, que já parece longínqua, em que o idealismo esquerdista tinha um efeito não apenas transformador da realidade, mas criador de realidade, através das várias câmaras comunistas na cintura de Paris. A inserção de abundantes imagens de arquivo em Gagarine, documentando várias destas transformações, garante que o espectador do filme de Fanny Liatard e Jérémy Trouilh, mesmo que nunca tivesse antes ouvido falar daquela “cité”, ficará a saber bastante sobre o lugar e a sua história.
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