Ex-presidente da Câmara de Pedrógão Grande condenado a sete anos de prisão
Este processo diz respeito à reconstrução de habitações na sequência dos incêndios de Junho de 2017. O antigo vereador Bruno Gomes foi condenado a seis anos de prisão.
O Tribunal de Leiria decidiu, nesta segunda-feira, condenar o ex-presidente da Câmara de Pedrógão Grande Valdemar Alves e o antigo vereador Bruno Gomes a sete anos e seis anos de prisão efectiva, respectivamente.
Valdemar Alves foi condenado por um total de 26 crimes: 13 de prevaricação de titular de cargo político e outros 13 de burla qualificada, alguns dos quais na forma tentada. Bruno Gomes, por sua vez, foi condenado por 24 crimes: 11 de prevaricação de titular de cargo político e 13 de burla qualificada, alguns dos quais na forma tentada.
O processo diz respeito a irregularidades na reconstrução de habitações na sequência dos incêndios de Junho de 2017, que provocaram 66 mortos e 253 feridos e destruíram cerca de 500 casas, 261 das quais habitações permanentes, e 50 empresas.
O tribunal deu como provado que ambos os arguidos promoveram a reabilitação de casas que estavam identificadas pela câmara como segundas habitações ou habitações não permanentes, quando o regulamento do fundo Revita visava habitações permanentes destruídas pelos incêndios.
Neste processo foram acusados mais 26 arguidos, tendo o tribunal absolvido 14 e condenado 12 a penas de prisão suspensas por serem inferiores a cinco anos. Destes, 11 tiveram as penas suspensas por quatro anos e condicionadas ao pagamento, e por conta da condenação no pedido cível, de cem euros mensais.
Terão de pagar mais de 400 mil euros
O ex-presidente da Câmara de Pedrógão Grande Valdemar Alves, o antigo vereador Bruno Gomes e os restantes 11 arguidos foram ainda condenados ao pagamento dos pedidos cíveis feitos ao processo num total de 406.195,54 euros. Assim, terão de pagar mais de 109 mil euros ao Fundo Revita, mais de 185 mil euros à parceria União das Misericórdias Portuguesas/Fundação Calouste Gulbenkian e mais de 111 mil euros à Cruz Vermelha Portuguesa.
Valdemar Alves e Bruno Gomes estavam pronunciados pelo Ministério Público (MP) por 20 crimes de prevaricação de titular de cargo político, 20 crimes de falsificação de documento e 20 crimes de burla qualificada, os mesmos do despacho de acusação, no processo sobre alegadas irregularidades.
Segundo a juíza Cristiana Almeida, os arguidos agiram com dolo, prejudicando outras pessoas que precisavam efectivamente da ajuda para reconstruir as suas habitações. No final da leitura da decisão, a magistrada disse: “Não vale tudo para se aceder a fundos alheios. O que conseguiram com esta atitude foi minar a confiança de todos na palavra solidariedade.”
De acordo com o acórdão, em face de toda a prova produzida, ficou provado que os arguidos Bruno Gomes e Valdemar Alves, “levaram a cabo um plano para reconstruir casas que não eram habitação permanente porque discordavam do estabelecido no regulamento” do Revita e tinham “perfeito conhecimento das informações falsas que prestavam nos mencionados processos” de candidatura à reconstrução.
Para o tribunal não há dúvidas de que a “actuação dos arguidos teve como finalidade obter o benefício dos requerentes (que bem sabiam ilegítimo) e benefício do município (que obteria, como obteve, maior apoio financeiro à reconstrução), com as consequências políticas daí decorrentes”.
“Toda a conduta dos arguidos, assente e plasmada na documentação junta aos autos e nos factos pelos mesmos praticados, aponta num único sentido – do plano elaborado pelos arguidos Valdemar Alves e Bruno Gomes de fazer chegar ao concelho de Pedrógão Grande mais dinheiro do que aos demais concelhos, através da aparência da necessidade de reconstrução de habitações não permanentes ardidas – conforme, aliás, expressamente transmitido pelo arguido Bruno Gomes à testemunha José Carlos de Sousa Pires, quando lhe disse : ‘meti a tua casa como primeira habitação, assim vem mais dinheiro para Pedrógão’”, lê-se na decisão, que sublinha ainda o facto de os dois autarcas terem ignorado uma denúncia.
Reabilitação de casa cujo telhado já tinha caído
Em Fevereiro de 2018, um munícipe denunciou a reabilitação de uma casa, na qual o proprietário não residia sequer à data dos incêndios. Na denúncia era referido ainda o facto de o imóvel ardido não reunir condições de habitabilidade, por ter, desde há muito, o telhado caído, facto que até estava documentado com fotografias.
Aliás, ainda sobre esta questão, segundo a decisão, o arguido Bruno Gomes, em conversa telefónica com o munícipe que fez a denúncia e testemunhou no julgamento, “terá recomendado que estivesse calado, para não estragar a vida de várias famílias”.
Para o tribunal ficou provado que Valdemar Alves e Bruno Gomes “não se abstiveram de agir da forma descrita, apesar de estarem cientes da qualidade de presidente da câmara do primeiro e de vereador até 21 de Outubro de 2017, e, após essa data, de funcionário, do segundo, sabendo que violavam os deveres de isenção, imparcialidade e prossecução do interesse público”.
Já quanto aos restantes arguidos, os 12 que também foram condenados e se candidataram aos fundos para reabilitar as habitações sabendo que não preenchiam os requisitos, o tribunal considerou que “da conjugação de toda a prova produzida” não mereceu a “mínima credibilidade a alegada versão de que pensavam que tudo iria ser reconstruído, por o terem ouvido na comunicação social, assim como nas sessões de esclarecimento das freguesias”.
Ficou provado em tribunal que alguns destes arguidos procederam, por exemplo, à alteração do domicílio fiscal já depois dos incêndios para fazerem crer que se tratava de primeiras habitações e outros houve que declararam que as mesmas foram destruídas pelo fogo quando já antes estavam em ruínas.
À saída do tribunal, o ex-presidente da Câmara de Pedrógão Grande mostrou-se surpreendido com pena de prisão a que foi condenado e disse que vai falar com o ser advogado para recorrer da decisão.
Victor Faria, advogado do ex-vereador Bruno Gomes, também disse que ia recorrer, tendo considerado que foi uma “condenação pesada”.
Ministério Público já tinha pedido prisão efectiva
A decisão do tribunal foi, de certa forma, ao encontro do que tinha pedido o MP. Nas alegações finais, a procuradora Catarina Lopes pediu a condenação a prisão efectiva para ambos, tendo em conta a “quantidade de crimes, a gravidade, as molduras abstractas, a reiteração”. Valdemar Alves e Bruno Gomes, segundo a procuradora, “promoveram a reabilitação de casas que estavam identificadas pela câmara como segundas habitações ou habitações não permanentes”.
“Ambos sabiam que os requerimentos para apoio pelo fundo seriam rejeitados pela comissão técnica e pelo conselho de gestão [do Revita] se deles constasse que antes dos incêndios eram casas em ruínas, devolutas ou habitações não permanentes”, sublinhou.
Para a procuradora, os antigos autarcas de Pedrógão Grande “actuaram em conluio e comunhão de esforços e de vontades”, não respeitando as normas legais com intenção de beneficiar os outros arguidos, alguns dos quais seus amigos pessoais. Com esta actuação “prejudicavam os municípios de Castanheira de Pêra e de Figueiró dos Vinhos”, também fortemente fustigados pelos incêndios de 2017, e “outras famílias que precisavam, essas sim, de apoio realmente”, classificando esta consequência como “o mais chocante da actuação dos arguidos”.
Para o MP, não há sombra de dúvidas de que Valdemar Alves e Bruno Gomes “sabiam que desta forma iriam obter benefício, não a nível económico, mas a nível político”, no âmbito do “prestígio político com que, com este feito, a reconstrução da quase totalidade das casas”, poderiam aceder a outros cargos.
Para os restantes 26 arguidos, o MP tinha defendido que deviam “ser condenados em penas de prisão suspensas”, pedindo “condições de suspensão efectivas e eficazes, que passem por devolver tudo aquilo que receberam, aqueles que ainda não o fizeram”.
A procuradora disse que agiram com dolo e prestaram falsas declarações. Segundo a magistrada, usaram “vários estratagemas”, como a alteração da morada fiscal, a renovação do cartão do cidadão ou pedidos de atestados de residência falsos, “com intenção de induzirem em erro as entidades”.