Da extinção do CDS e do PEV ao tsunami cor-de-rosa: onze surpresas da noite eleitoral
De 2015 para 2019, a onda laranja foi substituída por uma onda rosa que agora, em 2022, se alastrou a distritos como Viseu, o antigo “cavaquistão”.
Há 15 anos que o PS não tinha um resultado tão alto como o destas legislativas. Depois da maioria absoluta de José Sócrates, em 2007, com mais de 45% dos votos, os socialistas nunca mais passaram a fasquia dos 40% até este dia 30 de Janeiro de 2022, em que António Costa ficará para a história como o socialista que conseguiu ser primeiro-ministro três vezes seguidas. Antes, só Cavaco Silva tinha atingido essa marca, mas com duas maiorias absolutas, algo que o primeiro-ministro reeleito ainda não conseguiu cumprir. Tudo se conjuga para que Costa atinja outro dos seus objectivos: ser o socialista que lidera um executivo durante mais tempo (Guterres e Sócrates nunca chegaram aos sete anos).
Em termos territoriais, o PS conquistou o antigo “cavaquistão”, vencendo no distrito de Viseu, embora empatado em número de deputados (quatro). É uma derrota histórica para Rui Rio, assim como a de Leiria, Vila Real e Bragança, distritos que normalmente se pintam de laranja. Dos cinco círculos eleitorais em que tinha conseguido ganhar em 2019, o PSD só conseguiu manter um: a Madeira.
Três vezes primeiro-ministro
Até agora, só Aníbal Cavaco Silva tinha conseguido ser primeiro-ministro três vezes consecutivas, cumprindo os seus mandatos entre 1985 e 1995, com duas maiorias absolutas. Apesar de não ter sido a escolha da maioria do eleitorado em 2015, a verdade é que António Costa também vai liderar três Governos Constitucionais: o XXI, o XXII e o XXIII, que resulta destas eleições. É um recorde pessoal porque é uma marca nunca antes alcançada por um socialista. Costa também conseguirá, assim, ser o socialista a liderar um Governo mais anos seguidos.
Maiorias de esquerda (ou não)
Em mais de 200 concelhos do país (eram 212 às 23h), os partidos de esquerda juntos obtiveram mais de 50% dos votos. Os melhores resultados do PS foram em Gavião (57,83%), Castanheira de Pêra (55,73%) e Baião (55,42%). Mas nenhuma maioria absoluta socialista foi tão grande como a que o PSD e o CDS (coligados) obtiveram na Madeira (59,76%) e o PSD em Boticas (58,34%). O melhor resultado do Chega foi em Elvas (18,73%). O da CDU foi em Beja (18,7%), o do BE foi em Vila do Bispo (7,12%) e o da IL foi em Mafra (7%).
PS fez história em Bragança
Os socialistas elegeram dois dos três deputados do círculo de Bragança, algo que não aconteceia desde que José Sócrates obteve a maioria absoluta de 2005. Nestas eleições, o PS ficou à frente, mas a vitória foi curta: apenas 15 votos separam o primeiro do segundo – o PS obteve 6.480). Os dois deputados do PS são ambos governantes: Sobrinho Teixeira, secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, e Berta Nunes, secretária de Estado das Comunidades Portuguesas. Pelo PSD é eleito Adão Silva, líder parlamentar. O PS também foi o mais votado em Vila Real, onde conseguiu eleger três dos cinco mandatos disponíveis. Foi apenas a segunda vez em eleições legislativas desde o 25 de Abril.
"Cavaquistão” pinta-se de rosa
Há muito que em Viseu já não havia uma hegemonia laranja, mas nestas eleições mudou o partido que tradicionalmente vence as eleições na região. O distrito de Viseu votou PS. O partido teve 41,55% dos votos (76.642) e elegeu quatro deputados, tantos quantos os do PSD, que teve menos quase nove mil votos. Em terceiro lugar, com 7,79% dos votos (14.373), ficou o Chega. Em 2019, o PS já tinha ficado perigosamente próximo do PSD no antigo “cavaquistão”, tendo ambos conseguido eleger quatro deputados cada. Nessa altura, Leiria tornou-se no novo bastião do PSD, distrito em que o PS também ganhou este ano. Os socialistas tiveram 84.253 votos e os sociais-democratas 81.778. Os primeiros ficaram, assim, com cinco deputados e os segundos com quatro.
António Filipe e João Oliveira fora
A CDU perdeu dois deputados importantes: António Filipe, que não conseguiu ser eleito em Santarém, e João Oliveira, que ficou de fora em Évora. Oliveira era até agora o líder parlamentar do PCP e assumiu, com João Ferreira, o protagonismo da campanha comunista durante o período em que Jerónimo de Sousa esteve ausente. É um revés na estratégia da coligação, que também não conseguiu eleger nenhum dos deputados do PEV para São Bento.
Razia no Bloco de Esquerda
Não foram só caras conhecidas do PCP a sair do Parlamento: os deputados Moisés Ferreira, José Manuel Pureza e José Gusmão, do Bloco, também não foram eleitos em Aveiro, Coimbra e Faro, respectivamente. O Bloco de Esquerda também perdeu representatividade noutros distritos, como Leiria, embora os candidatos sejam caras menos conhecidas. Até ao fim esteve em disputa um lugar em Setúbal, com Joana Mortágua a ver a sua eleição em risco. À hora de fecho desta edição, Beatriz Gomes Dias e Isabel Pires também não tinham conseguido manter o seu lugar em São Bento.
Chega em terceiro
Adivinhava-se uma disputa acesa pelo terceiro lugar, entre Chega, Iniciativa Liberal e Bloco de Esquerda, mas, afinal, as coisas ficaram bastante claras logo ao início da noite, com o Chega a destacar-se a seguir ao PS e ao PSD, com mais de 7% e mais de 350 mil votos. A diferença da segunda para a terceira posição foi grande (mais de 20 pontos), mas a verdade é que o partido de André Ventura já estava em terceiro lugar em pelo menos 250 concelhos do país às 23h. Renhida acabou por ser a luta pelo quarto lugar, entre Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda e CDU, todos com resultados em torno dos 4%, sempre com mais de 200 mil votos.
PSD só vence na Madeira
Há dois anos, o PSD conseguiu ficar em primeiro lugar em Bragança, Leiria, Vila Real, Viseu e na Madeira. Desta vez, só na região autónoma madeirense essa vitória foi uma realidade... e em coligação com o CDS. A coligação Madeira Primeiro venceu as legislativas, mas os dois partidos elegeram o mesmo número de deputados: três. PSD e CDS tiveram 39,83% dos votos e o PS 31,47%. Em 11 concelhos, só num o PS foi vencedor: em Machico, com 49,46%. Nos Açores, a vitória foi socialista, apesar de o PS ter perdido a liderança do Governo Regional nas últimas eleições. Os socialistas elegeram três deputados e o PSD dois.
CDS vale um quarto da IL
O CDS não só perdeu, de repente, toda a representação parlamentar como passou mostrou que vale, em votos, cerca de um quarto da Iniciativa Liberal. O partido de João Cotrim Figueiredo registou uma das subidas mais fulgurantes, atropelando o CDS de Francisco Rodrigues dos Santos. Em 2019, a então líder do CDS, Assunção Cristas, demitiu-se logo na noite eleitoral, ao perceber a dimensão da derrota (passou de 18 deputados para cinco). O primeiro a disparar contra o líder foi o ex-eurodeputado Diogo Feio. “Os dados demonstram que o CDS tem o pior resultado da sua história. Está no patamar da total irrelevância, num nível de partidos sem verdadeira representação nacional”, escreveu Diogo Feio, no Facebook. “No dia em que todos os partidos não socialistas podem aumentar percentagem e número de deputados, o CDS cai em todos os indicadores”, sublinhou. O CDS é um dos partidos fundadores da democracia e até agora o pior resultado tinha sido a eleição de quatro deputados nos anos 80, quando era líder Adriano Moreira.
IL e PAN no litoral
Estão, em muitos casos, em extremos opostos, mas nestas eleições revelaram que são partidos mais urbanos. A Iniciativa Liberal mostrou-se mais forte no círculo eleitoral de Lisboa (chegou aos 7,5%), seguindo-se distritos como Setúbal e Faro. São exactamente os mesmos locais que deram percentagens mais elevadas ao PAN (na ordem dos 2,2%). A grande diferença é que a Iniciativa Liberal encontra-se em trajectória crescente. Já o PAN, que elegeu um deputado pela primeira vez em 2015, conseguiu o feito de passar para quatro em 2019 e agora encolheu drasticamente. André Silva, fundador, ex-deputado e ex-porta-voz do partido, não participou em nenhuma acção da campanha eleitoral. A derrota foi assumida por Inês de Sousa Real.
PEV desaparece
Pela primeira vez, o partido Os Verdes deixa de estar representado no Parlamento. Tinha dois lugares, um em representação do círculo de Lisboa e outro por Setúbal. Criado em 1982, este partido nunca foi a votos sozinho mas sempre em coligação com o PCP. Adversários políticos muitas vezes questionaram a legitimidade deste partido pelo facto de nunca se ter posto à prova por si só. No momento da erosão eleitoral de Os Verdes, isso mesmo foi anunciado em directo nas televisões pelo próprio secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, no discurso em que assumiu os maus resultados eleitorais. Actualmente, os deputados de Os Verdes eram José Luís Ferreira e Mariana Silva, que estiveram ao lado de Jerónimo no quartel-general do PCP – um hotel ao lado da sede do partido, em Lisboa.