O que pedem os cidadãos que se unem nas megapetições europeias

Já ouviu falar nas Iniciativas de Cidadania Europeia? Do RBI ao fim do comércio de barbatanas de tubarão, fomos saber o que pedem os cidadãos que se unem nestas megapetições e quais os desafios de recolher um milhão de assinaturas em torno de uma causa europeia.

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Luís Alves é biólogo e mestre em Biotecnologia Aplicada. Faz investigação científica sobre tubarões em Peniche. É um dos promotores de uma mega-petição europeia a pedir o fim do comércio de barbatanas de tubarão Rui Gaudêncio

Esta história tem um final feliz, mas foi mesmo até à última. Há poucas semanas, a equipa de promotores da Iniciativa de Cidadania Europeia (ICE) pelo fim da remoção e do comércio de barbatanas de tubarão reuniu-se, a partir de vários países, para reconhecer que estavam demasiado próximos do prazo final — hoje, 31 de Janeiro e ainda muito longe do objectivo: recolher um milhão de assinaturas em nome desta causa. No dia 12 deste mês, ainda tinham pouco mais de 540 mil subscritores desta espécie de megapetição europeia.

Portugal destacou-se no início da corrida. “Nós fomos o segundo país a atingir o número necessário de assinaturas”, conta Luís Alves, presidente da Associação Portuguesa para o Estudo e Conservação de Elasmobrânquios (os tubarões e as raias que temos no nosso país), um dos promotores da ICE Stop Finning EU. Para que a iniciativa funcione, é preciso ter um número mínimo global de assinaturas um milhão , mas é também preciso reunir um mínimo percentual em sete países. Depois de França, Portugal foi o segundo país a atingir esse limiar na ICE para acabar com o corte das barbatanas dos tubarões por cá, eram precisas 15.771 assinaturas (entretanto, chegou-se a mais de 23 mil).

“Aquilo que a campanha pretende é, eliminando o comércio de barbatanas na União Europeia, reduzir em muito a cadeia que existe que faz com que haja tubarões, que estão muitos deles em declínio, e ameaçados pela sobrepesca, diminuir a procura destes tubarões, e também acabar com a prática do finning, que é uma das coisas mais cruéis que o ser humano faz a um ser vivo, porque consiste na captura de um tubarão e na remoção das barbatanas, com o tubarão ainda vivo, que depois é descartado para o mar, onde vai morrer de hemorragia ou por asfixia, porque não conseguindo nadar não consegue respirar.”

“Mas tivemos, enquanto iniciativa, algumas dificuldades em atingir os mesmos valores noutros países”, conta Luís. Era preciso “triplicar esforços”, principalmente em países de dimensão maior, onde à partida seria mais fácil recolher um volume grande de assinaturas rapidamente. Por cá, envolveram-se cientistas, educadores e outras associações além da APECE, como a Sea Shepherd. A presença nos media também “ajuda a passar a mensagem”. No estrangeiro, conseguiu-se o apoio de actores famosos, que foram à televisão apelar à participação. “Isso fez uma diferença muito grande.”

Cidadão no centro

As Iniciativas de Cidadania Europeia são petições transnacionais previstas no Tratado de Lisboa para “colocar o cidadão no centro do processo de decisão europeu”, mas começaram a funcionar apenas em Abril de 2012. Neste momento, há 13 destas megapetições em período de recolha de assinaturas. Até hoje, apenas seis conseguiram recolher o milhão de assinaturas: Um de Nós (recordista de assinaturas, para proibir a destruição de embriões humanos), Right2Water (que exigia legislação que considerasse a água e o saneamento um direito humano), Stop Vivisection, Proibição do glifosato e protecção das pessoas e do ambiente contra pesticidas tóxicos, Minority SafePack (pela diversidade na Europa) e End the Cage Age (para acabar com as jaulas na pecuária).

É, contudo, um instrumento de participação pouco conhecido. “É importante que as pessoas percebam que podem ter uma voz na tomada de decisão na União Europeia”, reconhece Luís Alves. “Eu próprio não tinha noção do impacto que nós podemos ter antes de participar numa iniciativa destas. As ferramentas às vezes são um pouco difíceis de encontrar, mas elas existem, é verdade.”

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Catarina Neves, doutoranda em Filosofia Social e Política DR

“Eu própria não conhecia antes disto”, confessa Catarina Neves, da equipa portuguesa que promove a ICE que procura introduzir os rendimentos básicos incondicionais (RBI) em toda a União Europeia. É a segunda tentativa de levar a cabo uma petição destas para levar o RBI para a agenda da Comissão, depois de um ensaio em 2013. Porquê agora? “O movimento pelo RBI tem aumentado imenso, e já tinha aumentado antes da pandemia”, explica. O movimento europeu já tinha planeado para 2020 fazer a iniciativa. Quando chegou a pandemia, “parecia claro que ia ser mais fácil, porque toda a gente está mais sensível”. Mas não correu bem assim.

Além do problema mais óbvio da pandemia, que dificulta a recolha de assinaturas pessoalmente na rua, onde é possível abordar pessoas, ou em eventos, onde há mais tempo para explicar a iniciativa , há ainda uma primeira barreira relacionada com o desconhecimento sobre o que são as ICE.

“Com a covid-19 piorou, com tanta informação com que as pessoas são bombardeadas no geral”, lamenta Catarina Neves, assistente convidada na Nova SBE e doutoranda em Filosofia Social e Política, com uma tese sobre o RBI​. Torna-se uma espécie de corrida de obstáculos: é preciso explicar às pessoas o que é a iniciativa de cidadania europeia, depois há uma dificuldade em as pessoas perceberem que vale a pena — “mas é uma petição que vai levar ao quê?” —, e depois vem a parte de explicar o RBI. “São muitas barreiras para as pessoas perceberem, o que tem dificultado imenso.”

Lições aprendidas

Da campanha da petição para acabar com as barbatanas de tubarões vêm algumas lições validadas: “Se o tema despertar algum nível de empatia, a participação será sempre mais ou menos garantida, porque o trabalho que isto exige é pouco. O truque aqui passará sempre em mostrar às pessoas de que forma é que este problema que a iniciativa está a tentar resolver afecta a vida delas.”

E como é que acabar com o comércio de barbatanas de tubarão pode dar a volta ao planeta e chegar à minha bolha? “Neste caso, temos a sorte de aquilo que a campanha pretende eliminar ser uma prática que não só é insustentável como é muito cruel”, reconhece o investigador. Como é um tema “muito gráfico”, “é normalmente fácil de explicar às pessoas porque é que é que é importante acabar com esta prática”. A nível de benefício directo, como é que isto chega a nós? “É um pouco a mesma premissa que quase todos os projectos que lutam pela conservação marinha defendem. Precisamos de preservar estes organismos porque são importantes para os ecossistemas marinhos e os ecossistemas marinhos são importantes para a saúde do planeta, para a nossa saúde, para o nosso bem-estar, para a nossa economia, para a nossa alimentação. Acaba por ser assim que as coisas estão interligadas.”

Sobre as dificuldades na recolha de assinaturas, a campanha Stop Finning EU viu nas redes sociais uma oportunidade: “Acho que é muito útil e recompensador apostar bem numa campanha nas redes sociais, que têm hoje em dia muito peso e muito alcance, até porque na maior parte das vezes não são precisos muitos cliques para que as pessoas participem.” E ainda deixa uma possibilidade para os nostálgicos das campanhas tradicionais de rua para recolher assinaturas no papel: “Nos tempos de hoje, acho que as gerações mais jovens estão menos habituadas a este contacto pessoal, esta invasão de espaço, digamos assim. Muitas vezes participam mais facilmente se o puderem fazer com um ecrã a separá-las da pessoa que lhe pede a assinatura, do que se eu tentar na rua abordar essa mesma pessoa para que ela me ouça durante 30 segundos.”

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Francisco Guerreiro

Um dos maiores desafios das Iniciativas de Cidadania Europeia na prática e também em teoria é garantir que se passa das palavras às acções. Depois de recolhidas as assinaturas, há um longo caminho a percorrer. É altura de a Comissão Europeia (CE) analisar como pôr o pedido em prática. “Bem sabemos que uma coisa é o que a Comissão diz, outra coisa é o que a Comissão faz”, nota Francisco Guerreiro, eurodeputado independente e membro do grupo Os Verdes no Parlamento Europeu. E nem se refere a falta de vontade: “Temos as directivas mais vanguardistas do mundo, na generalidade, em termos de protecção animal. Efectivamente há uma vontade de mudar. Só que depois, na prática, essa vontade traduz-se em pouco.”

Fala-nos de protecção animal a propósito da ICE End the Cage Age, que recolheu o seu milhão de assinaturas em Setembro de 2019 e foi analisada pela Comissão Europeia em 2021. No último ano, os promotores foram também ouvidos na comissão especial sobre transporte de animais do Parlamento Europeu, trazendo o seu contributo sobre o sector pecuário para o debate mais alargado sobre o bem-estar animal. “Faz diferença, porque essa vontade é expressa e se inicia todo um processo de debate, de construção, de proposta e de revisão de uma série de legislação.”

A vontade dos cidadãos não é, contudo, vinculativa: é mais uma peça entre as várias que compõem o motor das instituições, entrando no processo de negociação. “Aí é quando se adensa esta dinâmica, em que há uma série de pareceres, uma série de posições de várias instituições, e o que se verifica é que se tenta chegar ao mínimo denominador comum”, descreve o eurodeputado. “Estamos a falar da indústria, da sociedade civil, de ONG, da Comissão, do Conselho, das várias sensibilidades económicas e sociais numa série de Estados-membros”, enumera. “No fundo, tem que se fazer este trabalho todo pós petição para dar resultado a algo.”

O valor do esforço

Será então o esforço em vão? “Claro que é sempre positivo, são sempre pequenos passos que se dão. Mas não deixa de ser frustrante, porque as três grandes famílias, Renew, PPE e socialistas, incessantemente bloqueiam uma série de alterações que são pedidas pela sociedade civil. Mas é um processo”, diz o eurodeputado ambientalista.

Francisco Guerreiro sublinha: “É sempre importante, independentemente do final, que se consiga esta mobilização. Primeiro, porque as pessoas falam do tema, mais pessoas conhecem o problema. Depois, porque se concretiza numa proposta para as instituições europeias.” Nessa perspectiva, diz, é muito positivo porque “essa causa acaba por ser muito maior do que essas pessoas e do que essas organizações, e depois influencia a política nos próximos meses e anos.”

Ainda faltam cinco meses para saber se a Iniciativa de Cidadania Europeia do RBI consegue finalmente levar o tema para a agenda da Comissão Europeia. Pela frente, ainda pode espreitar petições como a Voters Without Borders (eleitores sem fronteiras), que pede plenos direitos políticos para os cidadãos da UE , No Profit On Pandemic, pelo direito a tratamento contra a covid-19, Reclaim Your Face, pela proibição de práticas de vigilância biométrica em grande escala, que em Portugal é apoiada pela associação D3 - Defesa dos Direitos Digitais, Save Cruelty Free Cosmetics (Cosméticos sem crueldade), por uma Europa sem testes em animais, que em Portugal é apoiada pela associação Animal, Ban Fossil Fuel Ads, para proibir a publicidade e o patrocínio dos combustíveis fósseis, que em Portugal tem o apoio da ZERO, ou a petição por um programa de intercâmbio (sim, uma espécie de Erasmus) para funcionários públicos.

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Luís Alves é biólogo e mestre em Biotecnologia Aplicada. Faz investigação científica sobre tubarões em Peniche Rui Gaudêncio

Por hoje, com as assinaturas recolhidas nesta “batalha do milhão” pela defesa do ambiente com a Iniciativa de Cidadania Europeia para terminar com o comércio de barbatanas de tubarão na UE, a sociedade civil soma mais uma vitória.


Este artigo faz parte do projecto A Europa que Queremos, apoiado pela União Europeia.

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