Boris Johnson tem o seu futuro nas mãos da funcionária pública que faz tremer os políticos britânicos

O relatório sobre as festas que decorreram durante o confinamento em Downing Street é dirigido por Sue Gray, uma funcionária com décadas de experiência especializada em investigar o cumprimento de normas éticas por ministros.

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Sue Gray entrou no serviço público britânico no final dos anos 1970 Reuters/GOV.UK

O destino político do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, acossado pelos inúmeros relatos de festas organizadas em Downing Street em violação das regras de confinamento, está nas mãos de uma discreta funcionária pública com décadas de carreira em Whitehall, o serviço civil britânico.

Sue Gray é responsável pela elaboração de um relatório fundamental sobre os convívios que deverá ser entregue nesta quarta-feira ao Governo e cujas revelações podem empurrar Johnson para fora do número 10 de Downing Street. As investigações internas levadas a cabo pela funcionária farão sobretudo um relato factual sobre as festas em causa, mas não lhe cabe concluir se as regras sanitárias foram violadas, explica a BBC.

Numa carreira no serviço público que começou no final dos anos 1970, Sue Gray, de 64 anos, é conhecida como a fiel depositária dos segredos mais embaraçosos de ministros em sucessivos governos de ambos os partidos. No seu livro de memórias, o antigo ministro David Laws refere uma conversa que teve com um colega que lhe falou da pessoa que, “de facto, governa o Reino Unido”.

“O nosso grande Reino Unido é, na verdade, dirigido por uma senhora chamada Sue Gray, a directora do departamento de ética ou coisa parecida no Governo — a não ser que ela concorde, as coisas simplesmente não acontecem”, recorda a BBC num perfil sobre a funcionária.

É conhecida a tradição no funcionalismo público britânico como uma máquina extremamente eficiente, apesar de numerosa, e que privilegia o profissionalismo em detrimento das nomeações políticas. Whitehall tem vários responsáveis de topo que acumulam décadas de experiência nos seus respectivos cargos, sobrevivendo a qualquer mudança no executivo. Sue Gray é um dos seus maiores expoentes.

Durante vários anos, Gray foi a directora do departamento de Propriedade e Ética do Governo, responsável por assegurar o cumprimento das normas éticas por ministros e os membros das suas equipas, e também pela investigação a potenciais desvios. Saiu em 2018 para trabalhar para o serviço público da Irlanda do Norte e regressou a Whitehall no ano passado.

Entre as “vítimas” do apurado trabalho de Gray, estão vários antigos ministros, como Damian Green, antigo primeiro secretário de Theresa May, Liam Fox, ex-ministro da Defesa, e Andrew Mitchell, ex-líder parlamentar dos Conservadores.

O caso de Green remonta a 2017, numa altura em que era o “número dois” do Governo de May, e tem sido recordado pela imprensa britânica como um bom exemplo do impacto que pode ter uma investigação levada a cabo por Gray. O ministro era acusado de ter assediado uma jornalista e de ter material pornográfico no seu computador no Parlamento britânico.

As conclusões da investigação de Gray foram cautelosas, mas suficientemente poderosas para levar à demissão do primeiro secretário. O relatório dava conta de declarações contraditórias por parte de Green em relação à presença da pornografia no computador e, embora destacasse não ser possível “chegar a uma conclusão definitiva quanto à adequação” do seu comportamento em relação à jornalista, admitia que os seus relatos eram “plausíveis”.

A inclusão do termo “plausíveis”, que foi amplamente sublinhado pela imprensa, foi uma exigência de Gray, de acordo com fontes consultadas pelo Guardian. Green acabaria por aceitar demitir-se do Governo.

Desta vez, é o futuro de nada menos do que o primeiro-ministro que está dependente das conclusões desta funcionária pública de topo que chegou a gerir um pub com o marido, um cantor de música popular. A esse propósito, escrevia um colunista do Mail que, “se a dona de um pub não sabe dizer o que é uma festa, então quem o pode fazer?”

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