Alívio de regras de isolamento para lares: “É o mínimo que se pode fazer para continuarmos a trabalhar”

Funcionários de lares que contactem com um doente covid-19 mas tenham a dose de reforço de vacinação ou recuperado da doença nos últimos seis meses deixam de estar obrigados a cumprir isolamento profiláctico.

Foto
Falta de funcionários nos lares estava a tornar-se "dramática", diz a União das Misericórdias Portuguesas Paulo Pimenta

A Direcção-Geral da Saúde (DGS) alterou a classificação dos contactos de risco e, a partir de agora, os funcionários de instituições com pessoas mais vulneráveis, como lares de idosos ou unidades de cuidados continuados, deixam de ser considerados contactos de alto risco, desde que tenham a dose de reforço da vacina contra a covid-19 ou tenham recuperado da doença nos últimos seis meses. E isto significa que, nestes casos, já não precisam de fazer isolamento profiláctico. “Neste momento, isto é quase life saving para nós, porque a situação estava a ficar dramática”, diz o vice-presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), Caldas de Almeida.

A alteração da norma 105/2020 foi divulgada na segunda-feira e comporta algumas alterações na classificação dos contactos com infectados com a covid-19. Até agora, eram considerados contactos de alto risco aqueles funcionários e as pessoas que coabitavam com infectados, mas apenas estes últimos passavam para contacto de baixo risco, ficando, portanto, isentos de isolamento profiláctico, se tivessem a dose de reforço da vacina ou recuperado da doença nos últimos seis meses. Com a actualização desta semana, os funcionários de lares ficam também isentos dessa obrigação, desde que cumpram estas condições.

Numa altura em que o número de infectados no país tem batido sucessivos recordes, esta alteração é recebida como uma bênção pela UMP. “É uma alteração que pode trazer um bocadinho de acréscimo de risco, uma vez que as pessoas com a 3.ª dose [da vacina] terão uma menor carga viral, mas podem ter alguma. Agora, neste momento, isto é quase life saving porque a situação estava a ficar dramática. Basta fazer as contas: temos um milhão de pessoas em isolamento, em casa, o que é cerca de 20% da força de trabalho. Imagino que seja difícil para todas as empresas, mas, para aquelas como nós que têm mesmo de estar abertas, estava a ficar verdadeiramente dramático, porque bastava algum contacto e as pessoas ficavam em isolamento”, diz Caldas de Almeida.

Na hora do balanço entre prós e contras, não tem, por isso, qualquer dúvida. “Nas circunstâncias actuais, é o mínimo que se pode fazer para continuarmos a trabalhar. Havia misericórdias que estavam a recorrer a voluntariado de outras áreas, como a lavandaria ou serviços administrativos, para manter o atendimento a idosos. Para nós, é uma medida necessária porque estávamos com dificuldade em continuar a trabalhar”, diz.

Caldas de Almeida considera, por isso, que esta decisão da DGS foi “sensata” e mostra-se confiante de que não acarretará riscos elevados para os utentes. “O risco é muito controlado, porque todos os nossos trabalhadores têm a terceira dose da vacina e os nossos idosos também, só se faltar alguma meia dúzia. Tenho acompanhado vários lares com surtos e têm sido superbenignos. A maioria [dos infectados] é sem sintomas ou com sintomas gripais, não estamos a falar de nada que se pareça com a situação do ano passado”, garante.

O especialista em saúde pública Bernardo Gomes também não se mostra contrário a esta alteração, que considera ser “quase inevitável”, face à situação epidemiológica que se vive no país, com o número diário de novos casos a superar, várias vezes, os 50 mil. “Apesar de sabermos hoje que a situação da vacina não oferece o bloqueio de transmissão de que gostaríamos, também sabemos que com a terceira dose existe uma boa possibilidade de reduzir os níveis de infecciosidade. Era quase inevitável fazer com que as pessoas com reforço [vacinal] continuassem a sua vida normal. E há uma coisa crítica em que é preciso pensar: nos lares e instituições, o maior perigo com que me tenho deparado é privá-los das pessoas que estão a cuidar de idosos. Quando há uma única pessoa infectada, até se podem tomar cautelas suplementares e ser mais conservador, mas na situação actual é pior a intervenção [de obrigar ao isolamento] do que deixar as pessoas trabalhar”, defende.

Ainda assim, o especialista deixa a ressalva de que há que ter “bom senso” e manter em aberto a possibilidade de se “aplicarem alterações, mediante as circunstâncias”. Recomenda que se continue a insistir na testagem e lembra que medidas como o arejamento são essenciais para diminuir o risco de contágio. “Precisamos de ter um foco definitivo e acções efectivas na questão da ventilação e na qualidade do ar e perder a mania e hiperfoco nas superfícies, por exemplo”, diz.

Profissionais de saúde em alto risco

A actualização da norma da DGS passa também a incluir nos contactos de alto risco os profissionais de saúde, com as mesmas regras que se aplicam aos coabitantes e aos funcionários dos lares e afins. Como, até agora, estes funcionários não eram considerados sequer contactos de alto risco, nem a Ordem dos Médicos nem a dos Enfermeiros consideram que haverá grandes alterações ao nível do número de ausências ao trabalho. A actualização, acreditam, vem pôr fim a “um esquecimento da DGS” na versão anterior da norma.

A expressão é de Luís Barreira, vice-presidente da Ordem dos Enfermeiros, que diz que a inclusão dos profissionais de saúde nos contactos de alto risco é “algo que já devia lá estar e cuja ausência trouxe alguma confusão às instituições”.

A principal implicação, afirma, é “trazer alguma segurança” adicional a todos os que precisam de cuidados de saúde. “Isto implica que os profissionais de alto risco [sem a dose de reforço ou recuperados da covid-19 nos últimos seis meses] possam fazer o seu isolamento e não continuar a prestar cuidados, o que poderia infectar os doentes”, diz.

A Ordem dos Médicos, em resposta enviada ao PÚBLICO, também refere que esta actualização “vem clarificar o risco de exposição dos médicos e outros profissionais de saúde, bem como reforçar a importância da vacinação contra a covid-19”.

A entidade dirigida por Miguel Guimarães considera que a elevada taxa de vacinação entre os profissionais de saúde permitirá que não haja “repercussões no funcionamento dos serviços de saúde”, com a actualização desta norma. Ainda assim, insiste que é essencial que “não se abandone a estratégia de testagem regular dos médicos e dos outros profissionais de saúde para protecção dos próprios, mas sobretudo para protecção dos doentes mais vulneráveis”.

Sugerir correcção
Ler 5 comentários