Portugal: um bom contexto para a terapia com psicadélicos

Interessa considerar-se uma alteração legislativa que permita a utilização destas substâncias em contextos de investigação ou terapêuticos específicos e especializados. Medidas deste tipo colocariam Portugal na vanguarda científica e numa posição de relevo internacional.

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Nos chamados "cogumelos mágicos" a psilocibina ocorre naturalmente PHOTOFUSION/UNIVERSAL IMAGES GROUP VIA GETTY IMAGES

Com a algazarra das últimas semanas no Parlamento Britânico, terá passado algo despercebida uma intervenção de Charlotte Nicholls, deputada do Partido Trabalhista, sobre os resultados de um recente ensaio clínico com substâncias psicadélicas. Charlotte mencionou um estudo da King's College, publicado este mês no Journal of Psychopharmacology, que parece confirmar a segurança da terapia com psilocibina (substância activa dos chamados “cogumelos mágicos”) em contextos clínicos.

Este estudo é particularmente relevante pelo facto de a terapia ter sido administrada simultaneamente a grupos de participantes. A deputada salientou a promessa que este tipo de terapias tem demonstrado como tratamento para problemas de saúde mental e terminou com um apelo, ao primeiro-ministro, para que seja revisto o regime legislativo em torno das substâncias psicadélicas, de modo a facilitar pesquisas futuras. O primeiro-ministro reconheceu o interesse crescente nesta área, referiu estar já ciente do assunto e aconselhou a Charlotte Nicholls que se reunisse com o departamento governamental relevante. Foi uma troca de impressões bastante civilizada, tendo em conta a animosidade a que se assiste por estes dias naquela sala.

Na verdade, não terá sido o primeiro deputado a trazer este assunto para o parlamento, e o facto de ouvirmos um primeiro-ministro conservador dizer a palavra “psilocybin” num tom de optimismo reflecte o caminho que se tem feito.

De facto, nos últimos anos temos assistido a um movimento, científico e cultural, descrito por vezes como um “Renascimento Psicadélico”, por referência ao período de investigação psicadélica intensa e muito promissora feita nos anos 50 e 60. Essas pesquisas foram subitamente enterradas por leis orientadas por políticas de guerra contra as drogas, alinhadas com desinformação generalizada sobre o perigo destas substâncias, e que colocaram enormes entraves legislativos, financeiros e profissionais para quem queria continuar a trabalhar nesta área. Nos anos subsequentes vimos a indústria farmacêutica investir e colher verdadeiras fortunas com medicamentos para a saúde mental que certamente auxiliam milhões de pessoas em dificuldades, mas raramente abordam as razões fundamentais para os problemas; são medicamentos que reduzem sintomas mas que dificilmente facultam, por si só, um entendimento terapêutico das dinâmicas subjacentes.

Entretanto, há cerca de dez anos, alguns intrépidos investigadores conseguiram iniciar ensaios clínicos de pequena dimensão com substâncias psicadélicas, sobretudo a psilocibina. Desenvolveu-se uma base de evidências, confirmou-se o óptimo perfil de segurança destes tratamentos e foram surgindo grupos de investigação um pouco por todo o mundo, prosseguindo um novo paradigma baseado em sacramentos antigos: remédios que, no contexto apropriado, medeiam entendimento e crescimento pessoal.”

Além disso, tem-se alargado o potencial de aplicação da terapia com psilocibina às mais diversas dificuldades, desde as dependências à depressão, da dor crónica à anorexia (áreas a que estamos a dedicar particular atenção no nosso grupo do Imperial College); em suma, todo um espectro de problemas relacionados com a “prisão” a modos de pensar, sentir ou agir que são fonte de sofrimento para uma parte significativa da humanidade.

Interessa considerar-se uma alteração legislativa que permita a utilização destas substâncias em contextos de investigação ou terapêuticos específicos e especializados — um processo já em marcha em alguns locais, como no estado do Colorado, nos Estados Unidos, e em vias de o ser noutras jurisdições — ou que promova o investimento de fundos públicos, como na Austrália, onde o governo aprovou recentemente um pacote de cerca de dez milhões de euros para investigação nesta área. Medidas deste tipo colocariam Portugal na vanguarda científica e numa posição de relevo internacional: atractiva para investimento nacional e internacional, e potenciadora dos recursos científicos, terapêuticos, humanos e naturais que o país já possui.

Interessa, sobretudo, a definição atempada de uma abordagem nacional coesa, simultaneamente favorável ao progresso e respeitadora do conhecimento milenar inerente a esta tecnologia antiga. No fundo, uma abordagem resiliente a modelos ou pressões externas, resistente a facilitismos ou dinâmicas mais mercantis e num diálogo entre a democratização do acesso e a importância de se assegurar todo o respeito e cuidado que estas intervenções exigem, justamente pelo potencial que têm para tocar de forma ímpar as partes mais profundas da nossa psique.

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