Associações criticam falta de acessibilidades em teatros da recém-criada rede portuguesa
Acesso Cultura, Centro de Vida Independente e Associação Salvador dizem ter reportado à tutela sete casos de “desconformidades”.
Associações ligadas à área da deficiência manifestaram nesta quinta-feira preocupação e desagrado por terem encontrado casos de espaços, integrados na recém-criada Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses (RTCP), sem as acessibilidades para público e artistas, exigidas por lei.
Num comunicado assinado pela vice-presidente da Acesso Cultura, Rita Pires dos Santos, pelo presidente do Centro de Vida Independente, Jorge Falcato, e por Joana Gorgueira, gestora de projecto em acessibilidades da Associação Salvador, os responsáveis dizem ter reportado à tutela sete casos de “desconformidades” nesta área, que, em resposta, lhes disse estar a acompanhar a respectiva qualidade.
No final de Novembro de 2021, a Acesso Cultura, com a ajuda da Associação Salvador e do Centro de Vida Independente, diz ter disponibilizado à Direcção-Geral das Artes (DGArtes), dados concretos sobre as condições de acessibilidade numa pequena amostra de espaços membros da RTCP, “de 10, dos quais sete apresentavam desconformidades” perante a lei.
“As desconformidades resultam em falta de acessibilidade para o público, mas também para membros das equipas desses espaços e artistas”, referem as entidades, no comunicado, recordando a necessidade de cumprir o decreto-lei da acessibilidade 163/2006.
Ainda segundo as associações, um mês depois, a DGArtes respondeu, reafirmando a sua missão de “prossecução do serviço público e afirmação dos teatros e cineteatros como instituições abertas à sociedade, bem como a promoção do direito à fruição e criação cultural qualificada de toda a população, em todo o território”.
Quanto à credenciação de espaços que não cumprem a lei, na resposta, “é dito [pela DGArtes] que esta visa garantir o cumprimento de padrões de rigor e de qualidade no exercício das respcetivas actividades culturais e artísticas” e que, nesse sentido, “a DGArtes encontra-se, nomeadamente, a delinear uma acção de valorização e qualificação dos recursos humanos”, segundo o comunicado.
As associações avançam ainda que a direcção-geral, disse ainda na resposta que “o arranque da RTCP é ainda recente, estando, por isso, em contínuo crescimento e solidificação dos seus requisitos”, e que “a DGArtes fará o acompanhamento da qualidade das respectivas actividades culturais e artísticas e da qualidade técnica dos equipamentos credenciados, não deixando de exigir medidas correctivas, sempre que necessário.”
Os requisitos para a credenciação dos teatros, cineteatros e outros equipamentos culturais na RTCP, cuja responsabilidade ficou a cargo da DGArtes, foram publicados numa portaria em Diário da República, em Maio de 2021, incluindo o respectivo formulário para instrução do pedido de credenciação das entidades a esta rede, com o objectivo de avaliação e reconhecimento oficial de qualidade dos equipamentos.
A criação da RTPC foi aprovada no parlamento, em Julho de 2019, num projecto do Bloco de Esquerda, que incluiu propostas do PS, para “incrementar a procura e oferta culturais, reforçar a circulação de obras artísticas, aumentar as co-produções entre entidades, fomentar a articulação programática entre equipamentos integrados na Rede, envolver agentes culturais e artísticos locais, desenvolver estratégias de mediação, e incentivar boas práticas na transição digital, sustentabilidade ambiental, inclusão e acessibilidade física, social e intelectual”.
Ressalvando, no comunicado das associações, que o anúncio da criação da RTCP foi recebido “com satisfação e com esperança” pelo sector cultural, “que aderiu com entusiasmo - com mais de 80 equipamentos culturais na primeira fase de credenciação - mas, “ao mesmo tempo, e sendo o cumprimento da lei da acessibilidade, um requisito prévio para a credenciação, levantaram-se dúvidas quanto ao grau de cumprimento por parte da maioria dos espaços membros da RTCP”.
Consideram ainda que a situação “repete-se, vinte anos depois da criação da rede portuguesa de museus”, e, na sua opinião, “sem que se possa verificar alguma melhoria na forma do Estado assumir a sua responsabilidade para com os cidadãos com deficiência”.
“Para quem está há muito a trabalhar no sector cultural e para quem tem uma deficiência, os argumentos do “contínuo crescimento e solidificação dos requisitos” ou das “medidas correctivas” ou da “valorização e qualificação das equipas”, são conhecidos e têm sido inconsequentes. O facto é que o requisito da acessibilidade torna-se rapidamente numa mera “recomendação”, e a obrigação de cumprir a lei numa “opção”, argumentam as associações de defesa dos deficientes.
Face a esta constatação, as associações manifestam “profundo desagrado pela falta de rigor na implementação dos requisitos básicos de adesão à RTCP, que resulta na exclusão e discriminação das pessoas com deficiência (público, profissionais e artistas), cujos direitos são mais uma vez desrespeitados e desvalorizados”, alertam.
A Lusa contactou a DGArtes sobre esta matéria, e aguarda resposta.