Anne Frank: especialistas contestam conclusões da nova investigação

Uma reportagem do New York Times dá voz a especialistas que afirmam não ser possível afirmar de forma inequívoca que o abastado notário judeu apontado na nova investigação tenha sido o denunciante dos Frank. “Baseia-se em nada mais do que fragmentos de informações”, dizem.

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A vista do sótão da casa em que Anne Frank viveu escondida com a família Reuters/Jerry Lampen

A notícia chegou no início desta semana e correu mundo. Uma equipa de mais de 20 pessoas, de áreas diversas (historiadores, criminalistas, cientistas forenses), conseguira ao fim de seis anos resolver um mistério com seis décadas. A família de Anne Frank, símbolo do sofrimento judeu durante a Segunda Guerra Mundial pelo diário que deixou, fora “muito provavelmente” denunciada por Arnold van den Bergh, um notário judeu abastado. A revelação, porém, é fortemente contestada por historiadores e outros estudiosos do caso ouvidos pelo New York Times, numa reportagem publicada nesta terça-feira, em que denunciam a falta de provas que permitam conduzir, inequivocamente, a tão monstruosa acusação.

“É uma enorme acusação que fazem a partir de uma série de suposições, mas, na verdade, baseia-se em nada mais do que fragmentos de informações”, afirma o director do Bairro Cultural Judeu de Amesterdão, Emile Schrijver, após ter lido uma cópia promocional de The Betrayal of Anne Frank: A Cold Case Investigation, o livro que relata todos os passos da investigação. Foi escrito por Rosemary Sullivan e chegou às livrarias nesta terça-feira. David Barnouw, autor em 2003 de um outro livro dedicado ao caso, Who Betrayed Anne Frank?, contou ao diário norte-americano ter investigado Arnold van den Bergh, que morreu em 1950 de cancro na garganta. Afastou-o da sua lista de possíveis suspeitos dado que, para além de uma carta anónima, nada mais, no seu entender, o ligava ao caso — trata-se da carta anónima, conhecida dos estudiosos do caso de Anne Frank, que o seu pai, Otto Frank, recebeu em 1945 e na qual Van den Bergh era identificado como autor da denúncia que levou os nazis ao esconderijo da família, em Agosto de 1944.

Segundo a investigação, desencadeada por Pieter Twisk, um produtor televisivo holandês, e liderada por Vince Pankoke, agente do FBI reformado, Van den Bergh ter-se-á visto numa situação impossível. Tendo na sua posse uma lista das famílias judias escondidas na cidade sob ocupação nazi, à qual acedera através do Conselho Judaico de Amesterdão, formado compulsivamente pelos ocupantes para gerir, sob as suas ordens, os assuntos da comunidade, viu-se obrigado a utilizar essa informação como forma de adiar a sua própria deportação e da sua família para os campos de concentração.

Os especialistas ouvidos pelo New York Times contestam tal raciocínio, questionando a razoabilidade de as famílias escondidas providenciarem a sua localização a uma estrutura, o Conselho Judaico, que respondia directamente perante os nazis. Os responsáveis pela nova investigação concedem não ter encontrado prova material de que uma tal lista existisse, acentuando, porém, que “provas circunstanciais também são provas”.

Reconhecendo que a investigação agora transformada em livro fornece novas pistas para futuras pesquisas, os especialistas recusam tomar como certa a alta probabilidade de Arnold van den Bergh ser o denunciante dos Frank. O director da Casa Anne Frank, Ronald Leopold, declarou que as revelações do livro serão ali apresentadas simplesmente como mais uma teoria explicativa do destino da família.

Laurien Vastenhout vê outro problema nas conclusões da investigação: “Mais uma vez, a história de que foram os judeus que fizeram isto”, lamenta. O New York Times recorda que, após a guerra, cerca de 1500 holandeses foram condenados por terem concedido informações aos ocupantes nazis sobre a localização de cidadãos judeus escondidos. Entre eles, apenas um era judeu.

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