Chanceler alemão admite que futuro do Nord Stream 2 depende das acções da Rússia na Ucrânia
“Tudo terá de ser discutido” caso haja uma invasão russa da Ucrânia, diz Olaf Scholz, sem excluir a suspensão da actividade do gasoduto. Na sexta-feira, Blinken vai a Moscovo reunir com Lavrov.
A conferência de imprensa de Annalena Baerbock e Sergei Lavrov juntou a ministra dos Negócios Estrangeiros há menos tempo no cargo e o representante que o ocupa há mais tempo na Europa, numa altura de especial tensão entre a Alemanha e a Rússia por causa da deslocação, por Moscovo, de tropas para perto da fronteira com a Ucrânia. O Governo alemão trouxe, pela primeira vez desde o início da mais recente crise com a Rússia, o dossiê do gasoduto Nord Stream 2 para a mesa das discussões.
A atmosfera “foi tão calorosa quanto o estado frio da relação entre a Rússia e a Alemanha o permitiram”, comentou o correspondente da estação de televisão pública alemã ARD em Moscovo, Jo Angerer. Ou seja, tensa. Mas mostrou-se uma possibilidade de diálogo.
Ao lado de Lavrov, Baerbock fez várias críticas à Rússia. “Não há um motivo compreensível” para a deslocação de tropas russas para perto da fronteira com a Ucrânia e por isso é “difícil não ver [esta acção] como ameaça”, declarou.
A paz na Europa assenta em regras comuns, disse ainda a ministra alemã. “Para a Alemanha, [estas regras] são a base da nossa existência, e por isso não temos outra hipótese que não seja defendê-las, mesmo que o preço, às vezes económico, seja alto.” Uma das regras, e que está na Carta das Nações Unidas que a Rússia assinou, lembrou Baerbock, é que os países não se ameaçam uns aos outros pela força.
A ministra alemã mencionou ainda directamente o caso do opositor envenenado Alexei Navalni, tratado em Berlim e preso no regresso à Rússia, e da associação Memorial, recentemente ilegalizada no país.
E em resposta a uma pergunta sobre as diferenças do Governo em relação ao gasoduto Nord Stream 2 ser um projecto puramente económico ou poder sofrer consequências conforme a situação geopolítica, a ministra declarou que “caso a energia seja usada como arma, haverá consequências”, incluindo no Nord Stream 2.
Já Lavrov alertou contra considerar este gasoduto, que duplica a quantidade de gás russo a chegar directamente à Alemanha, como uma arma política: “Chamámos a atenção dos nossos colegas alemães para o facto de as tentativas de politizar este gasoduto serem contraproducentes.”
Pouco depois, após um encontro com o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, em Berlim, o chanceler, Olaf Scholz, deu pela primeira vez a entender que o Nord Stream 2 poderá estar em jogo se houver uma acção militar na Rússia, embora sem se referir directamente ao gasoduto (os EUA já tinham afirmado que não viam como seria possível ter o gasoduto a funcionar em caso de ofensiva russa na Ucrânia). “É claro que haverá um preço alto a pagar e tudo terá de ser discutido se houver uma intervenção militar na Ucrânia”, disse Scholz.
A possibilidade de o mega-projecto que vai ligar directamente a Rússia à Alemanha através de um gasoduto – permitindo uma descida acentuada do preço do gás para os consumidores alemães – poder não chegar a ser certificado por causa das divergências entre a NATO e a Rússia tem sido uma fonte de discórdia não só entre Berlim e os EUA, mas também no seio do próprio Governo alemão. Os Verdes, partido a que pertence a chefe da diplomacia, são críticos do empreendimento por considerarem que irá aumentar a dependência alemã do fornecimento de energia pela Rússia, enquanto os Sociais-Democratas têm tradicionalmente uma posição que privilegia mais entendimentos com Moscovo.
Depois de uma semana marcada por um impasse persistente nas negociações entre a Rússia e a NATO para tentar encontrar uma solução diplomática para pôr fim à tensão na fronteira com a Ucrânia, ninguém parece querer abrir mão das conversações. Voltando à Rússia, a emissora alemã Deutsche Welle destacou um tom “aparentemente conciliatório” de Lavrov quando este disse que as rondas negociais mostraram que havia uma possibilidade de um avanço, lento, numa direcção positiva.
Baerbock tinha dito, antes, que iria propor um regresso a conversações no chamado “formato Normandia”, entre a Ucrânia, Alemanha, França e Rússia, uma hipótese que não era considerada muito provável.
Lavrov apontou ainda o que disse ser um aumento de sentimento anti-russo em Bruxelas e “o grupo de países anti-Rússia na União Europeia”.
Para o analista alemão Thorsten Benner, director do Global Public Policy Institut em Berlim, “Baerbock conseguiu o tom certo na conferência de imprensa depois do encontro com Lavrov: ofereceu cooperação com base nos princípios da Carta das Nações Unidas, dos acordos de Helsínquia e Paris. Falou contra as ameaças contra a Ucrânia, o tratamento de Navalni, e da Memorial”, comentou no Twitter.
Para esta sexta-feira está marcado um encontro entre Lavrov e o secretário de Estado norte-americano, Anthony Blinken, em Genebra, de acordo com informações avançadas pelo jornal russo Kommersant. Antes disso, o chefe da diplomacia dos EUA vai estar em Kiev para mostrar apoio público de Washington às autoridades ucranianas e em Berlim para se reunir com Baerbock.