Teixeira dos Santos: são precisos mais de 290 anos para igualar produtividade da zona euro

Em entrevista à agência Lusa, o antigo ministro das Finanças defende que “se o país quer melhorar o seu bem-estar, o seu nível de vida tem que melhorar a produtividade”.

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Teixeira dos Santos foi ministro das Finanças Rui Gaudencio

O antigo ministro das Finanças Fernando Teixeira dos Santos estima que, mantendo as actuais condições, Portugal precisa de mais de 290 anos para igualar a média de produtividade da zona euro. Em entrevista à Lusa, a propósito do lançamento do livro “Mudam-se os tempos, mantêm-se os desafios” da Bertrand Editora, o antigo governante disse este sábado que “não há possibilidade” de melhorar o nível de vida dos portugueses se não melhorar a produtividade. “Não há outra via, não há outro caminho. Não tenhamos ilusões quanto a isto”, defendeu.

“A correlação entre o nosso rendimento real e a produtividade é da ordem dos 98%/99%. Uma coisa anda a par da outra. Se o país quer melhorar o seu bem-estar, o seu nível de vida tem que melhorar a produtividade. Isto é um grande desafio a todos nós: ao Estado, às famílias, aos trabalhadores, aos empresários, a todos nós. É este o desafio que o país tem de enfrentar e, no meu entender, dar-lhe uma grande prioridade”, sublinhou.

Numa simulação integrada no livro que será lançado, respectivamente, em Lisboa e no Porto, em 19 e 20 de Janeiro, Teixeira dos Santos calcula que, se se mantiverem as taxas de crescimento da produtividade em Portugal e na zona euro, serão necessários 45 anos para que o país atinja 60% da produtividade média dos países da moeda única e 154 anos para atingir os 75%.

“Temos de facto de fazer alguma coisa de muito significativo no progresso da nossa produtividade, porque senão continuaremos atrás da média europeia”, defendeu.

Os cálculos têm como níveis de partida a média do nível de produtividade observada entre 2015 e 2019, recordando que a produtividade do trabalho em Portugal representa cerca de 54% da média da zona euro e o seu crescimento médio anual entre 1999 e 2019 foi de 0,93%, superior ao valor médio registado nos países da moeda única, de 0,72% ao ano.

Teixeira dos Santos assinalou à Lusa que as taxas de crescimento da produtividade na última década são “muito baixas”, argumentando que “a crescer a esta média o progresso da produtividade é muito lento”.

É que, “à medida que nós progredimos, a zona euro também progride – pouco como nós, mas também progride”, explicou. “Estamos a perseguir um alvo que está em movimento e vai demorar muito tempo a apanhá-lo”, frisou.

O ex-governante salientou que o país tem um baixo coeficiente de capital e trabalho. “Há pouco capital por trabalhador. Portanto os trabalhadores também não podem ser muito produtivos se não têm esses equipamentos, essas ferramentas, essas infra-estruturas a apoiar o esforço produtivo. Isso tem a ver com um baixo nível de investimento na economia portuguesa, que faz com que o “stock” de capital da economia seja reduzido”, disse.

Destacou, neste sentido, que historicamente o “stock” de capital tende a aumentar, mas em Portugal “nos últimos anos está a diminuir, o que compromete o crescimento e a produtividade”.

De acordo com os cálculos do antigo ministro de Estado e das Finanças, inscritos no livro, se por exemplo, a produtividade de Portugal crescer, em média 2% ao ano, o país atingirá “60% da média europeia no final da década e demorará quase meio século a igualá-la”.

Não há “grande margem de manobra” para descer impostos

Fernando Teixeira dos Santos defende que o país não tem “grande margem de manobra” para descer a carga fiscal, defendendo que repor o equilíbrio orçamental deve ser a prioridade. “Não vejo grande margem de manobra para descidas de impostos e vejo também necessidade de haver alguma prudência nesse domínio”.

Quando questionado sobre se uma redução dos impostos nos próximos três a quatro anos seria possível, Teixeira dos Santos afirmou não ver “grande margem de manobra”, porque o país atingiu “em 2019 uma situação de equilíbrio orçamental, que, entretanto, se desfez por causa das consequências que a pandemia teve sobre a economia e também sobre as finanças públicas”.

O ex-governante defendeu ser importante melhorar o desempenho orçamental “para criar condições para que isso seja possível”, considerando que reduzir a carga fiscal “é bom para o investimento e para o trabalho dos portugueses”.

“Acho que a prioridade que temos que ter é a de repor esse equilíbrio orçamental. É importante que o equilíbrio orçamental seja reposto. Primeiro para assegurar que a poupança suficiente para o investimento na economia e segundo para assegurar condições de estabilidade financeira ao país”, justificou.

Alertou ainda que o ambiente de baixas taxas de juro não se irá manter por muito tempo, defendendo “prudência” no endividamento da economia. “É importante que tenhamos solidez financeira no país e estabilidade financeira, porque os juros acumulam à dívida. As perspectivas que temos para o futuro é de que este ambiente de taxas de juro baixas não vai manter-se durante muito tempo”, disse.

Teixeira dos Santos antecipa que as pressões inflacionistas deverão obrigar a algum ajustamento da política monetária, o que levará a “alguns” aumentos das taxas de juro. Ainda que acredite que o Banco Central Europeu (BCE) irá ser prudente na transição, para evitar grandes perturbações, assinala ser “expectável que a prazo” o “aumento das taxas de juro vai ocorrer”.

“Temos também que pensar que as taxas de juro se têm mantido a nível baixo e, em particular, no domínio da dívida pública, porque o BCE tem vindo a intervir de forma muito significativa nos mercados da dívida pública. E não vai continuar indefinidamente com esta política”, disse.

E descarta que o BCE avance com uma subida das taxas de juro já este ano, antecipa que o banco central poderá começar a sinalizar e a preparar as expectativas dos agentes económicos para o ajustamento.

Ex-ministro espera que eleições tragam solução governativa

Teixeira dos Santos disse também acreditar que sairá das eleições legislativas uma solução governativa que trará estabilidade para o país. “Espero bem que saia destas eleições uma solução de governação para o país, que traga um período de estabilidade, até porque o país precisa de facto dessa estabilidade. Tem grandes desafios pela frente e não pode adiá-los”, afirmou.

Quando questionado se teme que o país enfrente um cenário de instabilidade que se reflectisse em dificuldades em aprovar os próximos orçamentos do Estado, o ex-governante recusou tal cenário. “Quero acreditar que isso não acontecerá. Nem faria sentido. Já teremos eleições antecipadas porque houve um Orçamento que não foi aprovado e não houve condições para o aprovar. Mal era que destas eleições resultasse uma situação política em que continuávamos a ter dificuldade em aprovar orçamentos”, disse.

Fernando Teixeira dos Santos foi ministro de Estado e das Finanças, entre 2005 e 2011, tendo sido o responsável pelo pedido de ajuda externa de Portugal aquando da crise económica e financeira. Entre diversos cargos, entre 2000 e 2005, foi também presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), tendo sido entre 2016 e 2020 presidente da comissão executiva do Eurobic.