Lourdes Castro: E há outra maneira de estar?
O cardeal José Tolentino de Mendonça aceitou escrever para o PÚBLICO um comentário sobre Lourdes Castro, sua amiga e conterrânea e para quem, diz, “a arte era um intransigente pensamento sobre o estar. Não deixa apenas obras que podemos ver nos museus de arte contemporânea. Ela deixa uma visão. E tal constitui um facto político raro”.
Nos últimos meses, quando os amigos lhe perguntavam como estava, Lourdes Castro respondia: “Estou”, “eu estou, ponto”. E dizia isso sem nenhum conformismo ou desalento. Ela estava. E estar era para ela, a cada momento, a possibilidade de ser, de sentir-se viva a averiguar o mundo vivo, a começar por aquele mais perto de si: o mundo refletido no seu jardim onde ela nunca aceitou distinguir as plantas cultivadas daquelas selvagens, como nunca aceitou discriminar as sombras face à luz. Foi esse o seu pacto. Ela estava e, até ao fim, tudo o que era genuinamente vivo a acompanhava.
Uma das derradeiras coisas que escreveu foi ainda sobre a teoria do estar. Numa agenda de mesa, ela gravou, com dificuldade, as palavras: “E há outra maneira de estar?”. E contava com insistência o que a havia levado a escrevê-las, para que não o esquecêssemos. Muita gente, ao longo de toda a vida, lhe disse: “Lourdes, tu estás sempre contente”. Recordando-se agora disso, ela quis deixar escrito num papel: “E há outra maneira de estar?”. Uma interrogação que possui o valor de um testamento.
Para Lourdes Castro, a arte nunca foi simplesmente um fazer. A arte era um intransigente pensamento sobre o estar. Por isso, não deixa apenas obras que podemos ver nos museus de arte contemporânea. Ela deixa uma visão. E tal constitui um facto político raro.