Ómicron emergiu com timings diferentes nas regiões do país. Algarve foi das últimas
Mesmo ainda com um atraso e valores mais baixos do que outras regiões do país, os casos associados à Ómicron no Algarve também têm vindo a aumentar cada vez mais desde que a variante aí foi identificada. Últimos dados da diversidade genética do coronavírus a nível regional pertencem ao período de 20 a 26 de Dezembro.
Afinal, como se instalou a variante Ómicron nas diferentes regiões de Portugal? Dados da sequenciação do genoma do SARS-CoV-2 no país mostram que houve uma considerável heterogeneidade no timing das introduções e na circulação comunitária mais abrangente da variante nas diferentes regiões do país. O Algarve foi das últimas onde isso aconteceu: os mais recentes – e ainda provisórios – dados da sequenciação mostram que entre 20 e 26 de Dezembro a Ómicron representava aí 16,7% dos casos de infecção. Nas restantes regiões, os valores desse período ainda em análise são, por enquanto, sempre superiores e em Lisboa e Vale do Tejo são já de 63,6%.
Para se compreender a razão porque, muitas vezes, são referidos valores da Ómicron de períodos distintos, é necessário reforçar que em Portugal estão a ser usadas duas estratégias para monitorizar a prevalência desta variante.
Uma das estratégias baseia-se na análise de sequências do genoma do SARS-CoV-2, que são obtidas de amostras recolhidas em mais de 100 laboratórios, hospitais e instituições. O grande objectivo é saber quais são os perfis mutacionais do vírus, identificar e monitorizar cadeias de transmissão, assim como detectar introduções do SARS-CoV-2. Actualmente, há uma vigilância semanal com a análise de 500 a 600 amostras. Já foram avaliadas 24.638 sequências de 303 concelhos de Portugal ao longo deste estudo sobre diversidade genética do SARS-CoV-2 no país coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Insa).
Através desta estratégia, é possível ter dados que representam a diversidade genética do vírus nas diferentes regiões do país. “A evolução da frequência relativa semanal das linhagens por região de saúde é apurada com base na estratégia de amostragens aleatórias semanais de âmbito nacional por sequenciação total do genoma”, nota o Insa ao PÚBLICO.
Num slide apresentado, esta quarta-feira na reunião do Infarmed, por João Paulo Gomes (investigador no Insa e coordenador do estudo de diversidade genética do vírus) pode observar-se que a Ómicron se introduziu e tem vindo a crescer pelo país em momentos diferentes. “Salta à vista uma elevada heterogeneidade no timing da emergência da Ómicron e na sua prevalência por região”, afirmou sobre o conteúdo do slide já revelado no mais recente relatório do Insa sobre a diversidade genética do SARS-CoV-2.
Nesse documento, realçava-se que os dados de sequenciação mostram que houve “uma considerável heterogeneidade em termos regionais”, o que fortalece “a hipótese prévia de que o número de introduções, o seu timing, bem como o início de uma circulação comunitária mais abrangente desta variante ocorreram de forma distinta nas várias regiões”, lê-se no relatório e reforça o Insa na resposta enviada ao PÚBLICO.
Ainda a Delta no Algarve
A circulação comunitária da Ómicron ocorreu de forma mais precoce e intensa em Lisboa e Vale do Tejo. Do lado oposto está o Algarve. Se entre 13 e 19 de Dezembro Lisboa já tinha uma prevalência de 49% da Ómicron, o Algarve ficava-se pelos 4,2%. Nesse período, os valores no Norte eram de 15,5%, no Centro de 8,2%, no Alentejo de 8,1%, nos Açores de 18,2% e na Madeira de 10%.
Na semana seguinte (entre 20 e 26 de Dezembro) – e ainda com dados provisórios –, o crescimento da Ómicron continuou e Lisboa já registava 63,6% dos casos com esta variante. No Norte representava 40% dos casos, no Centro 21,7%, no Alentejo 51,7%, nos Açores 30,8% e na Madeira 53,7%. O Algarve ficou-se pelos 16,7%. Como estes dados ainda são provisórios e estão em análise, é expectável que os valores ainda mudem no Algarve e possam até aumentar nesse período.
Do que se observa destes dados, o Algarve foi assim das últimas regiões a ter uma circulação da Ómicron mais abrangente. Afinal, também tinha sido das últimas regiões em Portugal continental onde a variante tinha sido introduzida, de acordo com os dados disponíveis: se a Ómicron foi detectada pela primeira vez nas amostragens de Lisboa entre 22 e 28 de Novembro, isso aconteceu entre 29 de Novembro e 5 de Dezembro no Norte, Centro e Alentejo. No Algarve, as primeiras amostras foram identificadas na semana entre 6 e 12 de Dezembro. Nessa semana, a Ómicron representava apenas 1,8% dos casos de infecção.
Ainda na semana com dados mais recentes e provisórios, há outro dado a destacar no Algarve: a sublinhagem AY.4.2 continuava com uma circulação considerável no Algarve – 41,7%. “Até à semana do Natal, ainda estava a crescer”, afirmou João Paulo Gomes na reunião no Infarmed. Esta é uma sublinhagem da Delta (importada do Reino Unido) e a sua introdução e disseminação está associada ao turismo – “não só a turistas, mas também à actividade de hotelaria e turismo”, acrescentou o investigador.
“[A AY.4.2] disseminou-se fortemente. Originou cadeias de transmissão muito activas e extensas que ainda não desapareceram. Na semana entre o Natal e o Ano Novo representava cerca de 40% de todos os casos de covid [no Algarve].” Mas estes dados são ainda de Dezembro e a Ómicron tem sido imparável a substituir a Delta. Por isso, tal como aconteceu com outras sublinhagens da Delta, tudo indica que também esta será substituída pela Ómicron.
Estratégia a tempo real
Contudo, através desta estratégia, só temos dados – e provisórios – até 26 de Dezembro. “É [uma estratégia] mais sensível, mas tem sempre um atraso, porque logística e metodologicamente em termos experimentais é mais complexa e leva vários dias”, esclareceu João Paulo Gomes. Esse atraso é entre uma e uma semana e meia. “Para monitorizar a Ómicron, esta não é a estratégia ideal, porque há sempre um atraso.”
Para se obterem dados mais actuais e sem esse atraso, tem-se usado a monitorização em tempo real da “falha” na detecção do gene S – que também foi usada em 2021 para se saber de forma mais rápida a prevalência da Alfa (variante inicialmente detectada no Reino Unido). Nesta estratégia, são considerados testes positivos de vários laboratórios pelo país que usam um teste de diagnóstico de PCR. Os testes de PCR detectam três regiões do vírus e este teste não o consegue fazer numa das regiões da Ómicron – há a tal falha na detecção.
Com esta estratégia, conseguem-se “avaliar em tempo real a proporção de casos prováveis da variante Ómicron a nível nacional”, realça o Insa. Até agora, de acordo com João Paulo Gomes, as estimativas são “robustas” e baseiam-se em mais de 40 mil infectados com Ómicron.
Os últimos dados divulgados e estimados a partir desta estratégia mostram que a Ómicron representava quase 90% dos novos casos na segunda-feira. “Desde 6 de Dezembro, tem-se verificado um elevado crescimento na proporção de casos prováveis da variante Ómicron”, refere-se no relatório do Insa. Os dados divulgados apenas mostram a prevalência a nível nacional da variante e não a nível regional.