Conselho Superior da Magistratura reconhece que a distribuição do caso Sócrates teve “irregularidades procedimentais”

Conselho Superior da Magistratura salienta, porém, que o direito a um procedimento disciplinar caducou e que, por isso, “inexiste responsabilidade criminal ou disciplinar a ponderar”.

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Sócrates escreveu carta aberta ao Conselho Superior da Magistratura Rui Gaudêncio

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) reconhece que a Operação Marquês foi distribuída no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) ao juiz Carlos Alexandre de forma “diversamente do legalmente estabelecido” e configurando “irregularidades procedimentais”, segundo noticia esta segunda-feira o Diário de Notícias.

“Tal processo, assim como outros, foi atribuído a um dos dois lugares de juiz do TCIC sem que tenha havido sorteio no Citius e sem que o acto de distribuição tenha sido presidido por juiz de direito.” “Afigura-se indiscutível que tais omissões [de sorteio e de juiz] constituem irregularidades procedimentais susceptíveis de motivar responsabilidade disciplinar”, lê-se na deliberação do CSM, citada pelo Diário de Notícias.

Apesar de chegar à conclusão de que houve irregularidades, o CSM concluiu que o direito a um procedimento disciplinar caducou e que, por isso, “inexiste responsabilidade criminal ou disciplinar a ponderar no âmbito dos presentes autos.”

“O direito de instaurar procedimento disciplinar quanto a tal matéria caducou” porque “decorreu entretanto mais de um ano sobre a data dos factos”, segundo a deliberação do CSM, acrescentando que, além disso, “da prova recolhida não resultaram elementos que permitam indiciar a existência de dolo por parte de alguns dos intervenientes em causa” e “muito menos resultaram indícios da existência de uma particular intenção de obter benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outrem”.

“Tanto quanto é possível aferir, não há memória de limitações quanto à distribuição electrónica de “toda e qualquer espécie de processos no TCIC” nos “primeiros nove dias de Setembro de 2014”, diz o CSM.

Perante estas conclusões, o antigo primeiro-ministro, José Sócrates, escreveu uma carta aberta ao CSM, que o Diário de Notícias também publicou.

Na missiva, datada de 29 de Dezembro de 2021, assinada apenas como antigo primeiro-ministro, José Sócrates compara o relatório do CSM ao que diz ser o “encobrimento” dos juízes na distribuição do caso Marquês com o que a Igreja fez relativamente à pedofilia.

Sócrates compara actuação do CSM com a da Igreja Católica

“Ao ler este vosso relatório a primeira ideia que me vem ao espírito tem que ver com os primeiros comunicados da Igreja Católica a propósito do abuso de menores. A Igreja demorou a aprender. Espero que o sistema judicial não leve tanto tempo a perceber que o encobrimento só agrava as coisas, não as resolve”, escreve o antigo governante.

José Sócrates recorda ainda que “há cinco anos o conselho defendia que a nova distribuição do processo Marquês não era necessária” e que ela “foi manual por não poder ser electrónica dados os problemas de funcionamento que determinaram o encerramento do Citius em Setembro de 2014”.

“Hoje reconhece que nada disto era verdade – a distribuição era necessária e o sistema informático naquele tribunal estava a funcionar regularmente”, lê-se na missiva que sublinha ainda que, “aqui chegados e guiados pelos factos, devemos colocar seriamente a suspeita de que a fraude tenha tido motivação política e que a dita “atribuição manual” do processo tenha sido feita por forma a agradar ao juiz, beneficiando-o na sua carreira e na sua vaidade”.

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