Contestado nas ruas e incapaz de gerar consenso, primeiro-ministro do Sudão demite-se

Detido em Outubro e libertado em Novembro, Hamdok tinha sido escolhido pelos militares que tomaram o poder do Sudão para continuar a liderar o Governo de transição. Sai de cena depois de uma onda de protestos.

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Últimos dias de 2021 e primeiros dias do novo ano marcados por protestos em Cartum MOHAMED NURELDIN ABDALLAH/Reuters

Resgatado da prisão domiciliária no final de Novembro para reassumir a chefia do Governo de transição no Sudão, o primeiro-ministro Abdalla Hamdok apresentou a demissão no domingo, horas depois de as forças de segurança terem disparado gás lacrimogéneo sobre os milhares de manifestantes que marchavam em direcção do palácio presidencial, em Cartum.

“Decidi devolver a responsabilidade e anunciar a minha demissão como primeiro-ministro, e dar a oportunidade a outro homem ou mulher deste nobre país para (…) o ajudar a atravessar aquilo que sobra do período de transição para um país democrático e civil”, proclamou Hamdok, num discurso ao país.

“Tentei, na medida das minhas capacidades, poupar o nosso país do perigo de resvalar para o desastre. Apesar de tudo o que foi feito para concretizar o acordo desejado e necessário para cumprir, perante os cidadãos, as nossas promessas de segurança, de paz, de justiça e do fim do derramamento de sangue, tal não aconteceu”, lamentou o político demissionário, citado pela Reuters.

Esta demissão agrava ainda mais o cenário de instabilidade social, económica e humanitária no país africano, e coloca em sérios riscos a transição democrática prometida após o afastamento do Presidente Omar al-Bashir, em 2019. Para além disso, teme-se um novo escalar da violência em várias cidades do Sudão.

Pelo menos três pessoas morreram durante os protestos de domingo, na capital, aumentando para 57 o número total de mortos no Sudão desde 25 de Outubro, segundo uma organização próxima dos organizadores das manifestações.

Nesse dia, o Exército derrubou o Governo interino misto, liderado por Hamdok, que contava com representes civis e militares, e que governava há cerca de dois anos, tendo em vista a preparação das eleições de 2023 – cujo fim seria completar uma transferência de poder para um regime político totalmente civil.

No dia 21 de Novembro, os militares voltaram, no entanto, a dar o poder ao primeiro-ministro, que se encontrava em prisão domiciliária, através de um compromisso que reforçou a influência do Exército na governação do país.

O movimento pró-democracia sudanês nunca aceitou esta segunda nomeação de Hamdok e manteve a pressão nas ruas, com protestos recorrentes contra o dirigente político que em tempos apoiou e contra o poder militar. Protestos que foram violentamente reprimidos pelas forças de segurança.

A oposição vê na actuação das chefias militares nos últimos meses a persecução de um plano para se manter no poder indefinidamente, ignorando as promessas de contribuir para a transição democrática.

Certo é que a falta de entendimentos com os líderes civis impediu mesmo o primeiro-ministro de escolher uma nova equipa para o seu segundo governo.

Assim, seis semanas depois de ter sido renomeado, Abdalla Hamdok – um antigo funcionário das Nações Unidas – decidiu abdicar do cargo por entender não haver condições para chegar a um consenso com todas as facções e continuar a liderar o processo de transição.

“A demissão do primeiro-ministro é um duro golpe para os líderes militares, que acharam que um acordo com o Sr. Hamdok iria acalmar os manifestantes e legitimar a sua manutenção no poder. Claramente que os seus cálculos saíram errados”, considera Emmanuel Igunza, jornalista da BBC Africa.

“Mas isto significa que o Exército está agora firmemente no poder, revertendo os ganhos que foram conseguidos durante a tentativa do país de regressar à governação civil”, sublinha, no entanto. “Tendo em conta as dificuldades económicas do Sudão, isto pode ter um efeito ainda pior nas vidas da população sudanesa”.

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