Costa ignorou o Rui presente e dirigiu-se ao Rui ausente
Costa só tem uma solução para 30 de Janeiro: para “não ficar na dependência dos humores, dos jogos políticos e das movimentações tácticas” dos antigos parceiros, só a maioria absoluta é a resposta. No primeiro debate das legislativas, na RTP, entre o PS e o Livre, Costa escolheu a bipolarização com Rui Rio.
António Costa tem simpatia por Rui Tavares – que é vereador em Lisboa eleito na lista encabeçada por Fernando Medina. Mas a declarada “estima pessoal” não evitou que o secretário-geral do PS ignorasse o tempo quase todo o partido do Rui presente e dirigisse as baterias ao Rui ausente: os portugueses ou escolhem António Costa ou Rui Rio. E o primeiro-ministro até já fala de si na terceira pessoa, como fez quando defendeu que não se deve ter medo da maioria absoluta do PS: “Já governei em maioria [na Câmara de Lisboa], já governei em minoria. Não foi isso que mudou António Costa. O António Costa foi sempre o mesmo...”
A cassete da bipolarização e da maioria do PS marcou todo o debate entre Costa e Rui Tavares, com uma excepção. Na única referência que fez ao Livre (que se dispôs a uma aliança com o PS), Costa atirou-o para o canto da direita, com recurso a uma aliteração: “Um voto no Livre não nos livra da direita. O que nos livra da direita é o voto no PS.”
António Costa insistiu que só tem um plano A: a maioria absoluta. Repetir a “geringonça” seria um erro, para o primeiro-ministro, apesar dos apelos públicos que têm surgido. Costa apresentou-se no debate como aquele que em 2019 defendeu a continuação da “geringonça” e foi depois supostamente “traído” – “Nesta legislatura, o acordo desapareceu.” Assim, para “não ficar na dependência dos humores, dos jogos políticos e das movimentações tácticas” dos antigos parceiros, só a maioria absoluta é a resposta: “A única forma de termos uma maioria progressista em Portugal é com uma maioria do Partido Socialista [porque] temos que garantir que não andamos de crise em crise...”
Rui Tavares defendeu que “quem vota António Costa para ter maioria absoluta pode acabar a ter um bloco central com Rui Rio” e que o voto útil era no seu partido – “o Livre não é o PS” e também não é o Bloco e o PCP porque não faz uma alegada política do “bota-abaixo” mas do “bota-acima”. Mas, lá está, com a excepção da frase “o voto no Livre não nos livra da direita”, o Rui favorito para o contraponto era outro, o ausente Rio.
“A escolha que tem que se fazer é entre prosseguir com uma maioria de progresso ou regressar às políticas da austeridade. A escolha é entre mim e Rui Rio”, disse Costa, que utilizou o argumento em várias variações, nomeadamente recordando que não se aumentam salários com um “Governo que esteve contra o aumento do salário mínimo”. E ainda que “uma coligação do PSD com o Chega como acontece nos Açores é um retrocesso perigosíssimo”. Em síntese, “o que não podemos ter é um governo do dr. Rui Rio” para poder prosseguir “a agenda do trabalho digno” e o programa do PS.
Marcelo Rebelo de Sousa deve estar contentíssimo. A avaliar por este debate – e pelas reacções à mensagem presidencial de Ano Novo, a sua expressão “virar a página” está a ser festejadíssima. Não admira: é uma daquelas frases “catch all parties” e cada um escolhe o sentido que mais lhe convém.