Morreu o arcebispo Desmond Tutu, “a consciência moral” que lutou contra o apartheid
Recebeu o Nobel da Paz em 1984 pela sua luta não-violenta contra o regime do apartheid, na África do Sul, quando Nelson Mandela estava preso. Anos mais tarde, perpetuou o seu combate contra as injustiças sociais.
O antigo arcebispo sul-africano Desmond Tutu, figura-chave da lutra contra o apartheid e Nobel da Paz em 1984, morreu este domingo na Cidade do Cabo. Tinha 90 anos.
O Presidente, Cyril Ramaphosa, disse que a morte de Desmond Tutu marcava “outro capítulo de perda na nação no adeus a uma geração de sul-africanos notáveis”. A morte de Tutu acontece semanas depois da morte do último Presidente branco da África do Sul, Frederik Willem de Klerk, que decidiu libertar Mandela da prisão – os dois viriam a dividir o Prémio Nobel da Paz em 1993 pela sua “luta pacífica” que levou ao fim do apartheid.
Desmond Tutu tinha sido diagnosticado com cancro da próstata no final da década de 1990 e, nos últimos anos, foi hospitalizado várias vezes para tratar infecções associadas ao tratamento desse cancro. Não foi revelada a causa da morte.
Em 2014, Desmond Tutu anunciou o seu afastamento da vida pública, na altura em que iniciava “um novo tratamento ao cancro da próstata”. Mas nunca deixou de falar sobre uma série de questões morais, incluindo em 2008, quando acusado o Ocidente de cumplicidade com o sofrimento dos palestinianos sob ocupação ou, em 2017, criticando a também Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, por causa da perseguição aos rohingya : “Se o preço político da sua chegada ao mais alto poder na Birmânia é o silêncio, então esse preço é demasiado alto.”
O Nobel da Paz ficou conhecido durante a década de 1980 pela luta contra o regime da minoria branca do apartheid, que diz ter sido motivado pela religião, estava Nelson Mandela preso. Quando Mandela chegou a Presidente escolheu-o para estar à frente da Comissão para a Verdade e Reconciliação da África do Sul, criada para investigar os crimes cometidos por ambos os lados durante o período segregacionista.
O perdão na África do Sul na altura da reconciliação “não foi um instrumento perfeito, mas foi um instrumento muito útil”, afirmou em entrevista ao PÚBLICO, em 2012. “Os sul-africanos conseguiram fazer essa transição de um sistema opressivo para uma democracia e são capazes de viver juntos. Não tenho dúvida de que, sem uma coisa assim, teríamos incendiado o país. Muitas pessoas acharam que teríamos tido um banho de sangue racial.”
Tutu foi considerado por muitos como “a consciência moral da África do Sul” e estava já reformado das suas funções, mas continuava activo no combate à desigualdade e promoção da justiça social. O antigo arcebispo também fez parte de campanhas que promovem a tolerância e igualdade de direitos para a comunidade LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais e transgénero): “Não rezaria a um Deus homofóbico e é assim que eu sinto no mais íntimo do meu ser”, afirmou, em 2013.
A morte de Tutu provocou reacções de todo o mundo.O Dalai Lama lembrou a “amizade e ligação espiritual” que partilhava com o arcebispo sul-africano. Tutu era, acrescentou, “totalmente dedicado a servir os seus irmãos e irmãs para o maior bem comum. Era um verdadeiro humanitário e um defensor empenhado de direitos humanos”. Dos EUA, Bernice King, filha de Martin Luther King, expressou tristeza pela morte do “sábio global”. “Estamos melhor porque ele esteve aqui”.
Entre os chefes de Governo, do Reino Unido Boris Johnson disse que Tutu será lembrado “pela sua liderança espiritual e pela sua irrepreensível boa disposição”, e da Noruega o primeiro-ministro Jonas Gahr Stoere sublinhou que a vida de Tutu mostra “que a injustiça e o abuso não podem ser esquecido, mas ao mesmo tempo não pode ser vingado, se uma sociedade quer avançar”.