Um homem de imensas parcerias
Gosto de pensar que tínhamos em comum pensar fora da carroça, mas conseguir andar nela. Tínhamos uma postura à margem dos sistemas e conseguíamos trabalhar com eles.
Conhecemo-nos algures a meio dos anos 80 sentados numa cave fria da Moreira de Assunção, numa qualquer reunião com as temáticas políticas que sempre nos aproximaram, mas nunca foram fundamentais para os desenvolvimentos posteriores (objecção de consciência, na agenda, muito provavelmente).
Já na altura ele era jornalista e espelhava a sua imensa criatividade na escrita e a sua impulsividade na criação de publicações com e em títulos diversos.
Reencontrámo-nos um par de anos mais tarde no seio da paixão que nos uniu desde então e para sempre, a Banda Desenhada, num Salão do Porto de 1989, e passámos a noite inteira desde o Ferreira Borges aos tascos da Ribeira a comungar ideias e projectos, a congeminar futuros que, felizmente, em grande parte, conseguimos levar para a frente sempre juntos e no seio de imensos colectivos.
Desde então o João Paulo foi acompanhando o que aqui a Norte nós conseguimos fazer com o Salão Internacional de Banda Desenhada do Porto e nós fomos acompanhando o imensurável e ainda não totalmente reconhecido trabalho que ele realizou em prol da BD nacional. Principalmente com a criação e com os anos iniciais da Bedeteca de Lisboa, equipamento cultural do município lisboeta onde – com a confiança e o apoio de João Soares - ele conseguiu fazer (até ao fim dos anos 90) um exemplo (sem paralelo) de uma exemplar política pública em prol de uma arte que é – no rol de todas as artes – normalmente arredada das preocupações da gestão pública.
Coroa de glória dessas colaborações (esta também com o Festival da Amadora) foi conseguirmos levar uma BD praticamente inexistente e insignificante – mas nossa - ao mais importante Festival de BD, o de Angoulême (em 1998).
O João Paulo era um homem de imensas parcerias e eu fui apenas mais uma delas. Gosto de pensar que tínhamos em comum pensar fora da carroça, mas conseguir andar nela. Tínhamos uma postura à margem dos sistemas e conseguíamos trabalhar com eles. Que foi o que fizemos muitas vezes, ele na Bedeteca e na edilidade lisboeta, eu no Porto e na autarquia portuense. O João Paulo era também um homem de muitos talentos e interesses.
A Banda Desenhada continuou a aproximar-nos mas o afastamento prático dele não impediu a continuidade da amizade e do trabalho em comum ao longo de todos estes anos. Fomos continuando a manter as conversas (nos bons restaurantes portuenses que eu era obrigado a encontrar quando ele cá vinha, ou nos excelentes que ele fazia questão de me dar a conhecer quando ia eu a Lisboa). Não têm conta as ideias que ficaram por concretizar. Talvez algumas ainda sejam possíveis. Agora sem ele. Mas sempre com ele.
Até sempre JPC.
Júlio Eme é ex-organizador da Semana Internacional de Banda Desenhada do Porto