Sem surpresas, a Líbia já não vai a votos na sexta-feira
Autoridades eleitorais propõem adiamento das presidenciais para 24 de Janeiro, depois de uma comissão parlamentar ter concluído ser “impossível” realizar a votação na data prevista. Cenário fragiliza processo de paz.
As eleições presidenciais na Líbia, agendadas para sexta-feira, já não vão realizar-se. Sem listas oficiais de candidatos, com uma disputa em curso sobre as regras da votação e da elegibilidade das candidaturas, e numa altura em que várias localidades do país se encontram altamente militarizadas, o cancelamento era mais que expectável e foi defendido, nesta quarta-feira, pelo Parlamento e pela Comissão Eleitoral (HNEC, na sigla em inglês).
“Após a consulta dos relatórios técnicos, judiciais e de segurança, notificamos a impossibilidade da realização de eleições na data de 24 de Dezembro de 2021, prevista pela lei eleitoral”, lê-se no comunicado que a comissão parlamentar que trata dos assuntos eleitorais enviou ao presidente do Parlamento líbio, Aguila Salé, citado pela Al-Jazeera.
Pouco depois da divulgação pública do comunicado – a primeira posição oficial favorável ao adiamento – a HNEC, que já tinha anunciado há uns dias a dissolução de todos os seus comités e o encerramento dos seus escritórios, sem ter aprovado qualquer lista de candidatos, propôs nova data para a primeira volta das presidenciais: 24 de Janeiro de 2022.
Para além do impacto negativo das tensões próprias de um país afogado num duradouro vazio de poder nos preparativos para a votação, foi a oposição generalizada à lei eleitoral, apresentada em Setembro, por Salé – ele próprio candidato –, e o facto de este ter decido separar as eleições presidenciais das parlamentares, contrariando as directivas do roteiro para a paz, apoiado pelas Nações Unidas, que precipitou o cenário de cancelamento.
A HNEC instou o Parlamento a confirmar a data proposta e a esclarecer os critérios para a elegibilidade das candidaturas.
“A inadequação da legislação eleitoral, no que toca ao papel do judiciário nos recursos e nas disputas eleitorais, prejudicou o direito da Comissão de defender as suas decisões sobre a exclusão de um número de candidatos”, reagiu a HNEC, segundo o The Guardian.
Entre aqueles que anunciaram a intenção de concorrer à presidência, destacam-se Saif al-Islam Khadafi, filho do antigo ditador, Muammar Khadafi, acusado de crimes contra à humanidade, pelo Tribunal Penal Internacional, e de crimes de guerra, pelas autoridades de Trípoli; o marechal Khalifa Haftar, cujas forças militares controlam parte do país; e Abdul Hamid Dbeibé, o primeiro-ministro interino que até tinha prometido não ser candidato para não abusar da sua posição.
A suspensão desta tentativa para se encontrar uma solução eleitoral para a crise também acrescenta uma boa dose de incerteza à solução política actual. Isto porque o mandato do Governo interino de unidade, que tomou posse em Março, termina, precisamente, na próxima sexta-feira.
É, por isso, importante perceber, nos próximos dias, se as várias facções que o sustentam vão manter o seu apoio até à realização das eleições ou se o atiram para um limbo de natureza política, constitucional e até de legitimidade.
Tensão cresce
Certo é que este adiamento representa um duro golpe para o frágil processo de paz e para os esforços nacionais e internacionais para se pôr fim a uma década de caos, de violência, de lutas de poder tribais e regionais, de crise humanitária e de interferência estrangeira na Líbia, iniciada com a deposição do regime de Khadafi, em 2011, na sequência de uma intervenção militar da NATO.
A grande prioridade da ONU, da comunidade internacional e de outras autoridades envolvidas no processo de paz líbio, passa agora por impedir que o cancelamento das eleições levante uma nova vaga de violência no país do Norte de África.
Num comunicado partilhado no Twitter, Richard Norland, embaixador dos Estados Unidos na Líbia, alertou para os riscos de uma escalada da violência no país, defendeu que a realização das eleições deve ser “uma prioridade, em linha com o forte desejo” dos líbios e apelou às autoridades políticas locais para se focarem em “ultrapassar rapidamente todas os obstáculos jurídicos e políticos” que estão a impedir a votação.
Na terça-feira a Missão de Apoio da ONU na Líbia já tinha dito, em comunicado, que estava “preocupada com os desenvolvimentos da situação de segurança em Trípoli”, e com a “actual mobilização de forças leais a diferentes grupos” que “cria tensões e aumenta o risco de confrontos que se podem transformar em conflito”.
À tensão na capital somam-se os bloqueios de estradas e de outras vias de comunicação noutros pontos do país. Foram ainda encerradas as operações de quatro importantes campos de petróleo da Líbia, ocupados por milícias armadas.