“Massacre” de 540 animais selvagens aconteceu há um ano mas ainda não tem arguidos
A montaria decorreu nos dias 19 e 20 de Dezembro de 2020 e foi divulgada na Internet pela empresa espanhola responsável pela sua organização, gerando uma onda de indignação
O inquérito aberto pelo Ministério Público às condições em que se realizou a montaria que resultou no abate de cerca de 540 animais selvagens na quinta da Torre Bela (concelho de Azambuja) ainda está a decorrer e não tem arguidos constituídos, segundo revelou, ao PÚBLICO, fonte oficial da Procuradoria-Geral da República. O caso gerou revolta generalizada, pela forma como foi “massacrado” um número tão elevado de animais selvagens numa propriedade completamente murada, de onde não tinham hipótese de fuga.
A montaria decorreu há um ano, nos dias 19 e 20 de Dezembro de 2020, e foi divulgada na Internet pela empresa espanhola responsável pela sua organização. O teor das imagens e as legendas que aludiam a “mais um super recorde” alcançado em Portugal com o abate de 540 animais geraram muita indignação. Poucos dias depois, os suportes online da firma espanhola foram desactivados, mas o caso continuou a gerar revolta. Soube-se que não era a primeira vez que esta empresa organizava montarias em Portugal e os proprietários da Torre Bela afirmaram que nunca autorizaram uma caçada com esta dimensão.
O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) também abriu um inquérito, suspendeu as licenças da Zona de Caça Turística da Torre Bela e enviou as conclusões das suas averiguações para o Ministério Público. O Governo reagiu, iniciando um processo de revisão da legislação da caça, que resultou em normas mais “apertadas” para a realização e acompanhamento técnico das montarias. Resta saber se o caso vai ter consequências penais.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) disse, esta sexta-feira, ao PÚBLICO, que “as diligências de investigação prosseguem, não tendo havido lugar à constituição de arguidos”. O inquérito aberto pelo MP logo em Dezembro de 2020 é liderado pelo Ministério Público do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa Norte (Alenquer), mas haverá dificuldades na audição dos envolvidos, uma vez que os organizadores e os 16 caçadores participantes serão todos de nacionalidade espanhola. Ao mesmo tempo, pelo que se sabe, haveria selos de caça para boa parte dos animais abatidos (javalis, veados e gamos) e, para além das fotografias divulgadas, não se saberá qual terá sido o destino dos cadáveres dos mais de 500 animais, que terão sido transportados para Espanha.
Limpeza de espaços?
Logo em Dezembro do ano passado, algumas organizações ambientalistas estabeleceram uma eventual relação do abate indiscriminado de veados, javalis e gamos com a necessidade de “limpar” extensas áreas da quinta da Torre Bela (maior propriedade murada da Europa, com cerca de 1100 hectares) para a instalação de duas grandes centrais fotovoltaicas. Os promotores destes dois projectos energéticos negaram sempre qualquer relação entre as duas situações e os proprietários da Torre Bela anunciaram que iriam apresentar queixa na justiça contra a empresa espanhola por, alegadamente, ter ido muito além do acordado no abate de animais que se verificou nos dias 19 e 20 de Dezembro.
Certo é que o processo de instalação das centrais fotovoltaicas também “desacelerou” com este episódio. A Câmara de Azambuja revogou, em Fevereiro, a declaração de interesse público municipal concedida ao projecto em Setembro de 2020. Meses depois, já em Junho, a Agência Portuguesa do Ambiente emitiu parecer favorável condicionado ao desenvolvimento das centrais fotovoltaicas, mas este processo também acabou por “voltar para trás”, porque o traçado da linha de muito alta ligação que deverá ligar o parque fotovoltaico à Subestação Eléctrica de Rio Maior foi muito contestado pelos moradores de Casais das Boiças. A Câmara de Azambuja reconheceu razão aos moradores e foi necessário rever o projecto e o estudo de impacte ambiental da linha, processo que ainda está a decorrer.