Pinho optou pelo silêncio no tribunal, mas cá fora deu entrevista

Ao semanário Expresso, o antigo ministro da Economia negou ter recebido indevidamente qualquer quantia do GES/BES, sem explicar os pagamentos mensais de quase 15 mil euros que recebeu do grupo durante o mandato e depois de aquele ter terminado.

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Entrevista foi feita através de videochamada, com Pinho na casa onde está em prisão domiciliária, em Albufeira Daniel Rocha

O antigo ministro da Economia Manuel Pinho, que optou pelo silêncio durante o interrogatório conduzido na passada terça-feira pelo juiz Carlos Alexandre no âmbito do caso EDP, decidiu uns dias depois dar uma entrevista ao semanário Expresso por videochamada a partir da casa onde se encontra desde quarta-feira à noite em prisão domiciliária, em Albufeira.

“Nego ter recebido um euro que seja do BES/GES que não fosse devido”, afirmou o antigo governante, que não justificou porque recebeu numa conta em nome de uma sociedade offshore, a Tartaruga Foundation, da qual era beneficiário, pagamentos mensais de quase 15 mil euros pagos pela Espírito Santo Enterprises, conhecida como o “saco azul” do Grupo Espírito Santo, enquanto era ministro e depois disso. Ao todo, segundo o Ministério Público, Pinho recebeu sem qualquer justificação cerca de dois milhões de euros do grupo para quem trabalhava antes de chegar ao Governo e do qual alegadamente se tinha desvinculado.

Na única vez que prestou declarações no âmbito do processo EDP, no final de Julho passado, perante o Ministério Público, Pinho também não quis explicar esses pagamentos, como noticiou o Observador, que ouviu a gravação do interrogatório de Pinho.

“Para mim seria totalmente insuportável se um dia fosse provado que eu favoreci a EDP, o BES ou seja quem for”, afirmou Manuel Pinho ao Expresso, segundo um excerto da entrevista transmitido esta sexta-feira à noite pela SIC. “Vamos ter calma: se querem acusar, acusam, e na altura, dá-se a resposta certa”, diz ainda o antigo governante.

O ex-ministro da Economia defendeu que não faz qualquer sentido falar de perigo de fuga ou de perturbação do inquérito, quando passaram quase dez anos sobre o início da investigação. “Sabendo há dez anos que estava a ser investigado, tendo alguma coisa para esconder, que não era o caso, tinha escondido ou já tinha fugido”, sustentou o antigo ministro. “Eu sabia [da investigação] quase desde o primeiro dia. Ia esperar agora pela 25.ª hora?”, perguntou.

O juiz Carlos Alexandre não foi da mesma opinião e colocou o ex-governante em prisão domiciliária, uma medida de coacção que conseguirá contornar se pagar uma caução de seis milhões de euros, montante que Pinho assegura não dispor.

Manuel Pinho aproveitou a entrevista para criticar o funcionamento dos tribunais, no que apelidou de “justiça totoloto”. “Vai parar a um juiz e a decisão é uma, vai-se parar a outro juiz e a decisão é outra”, lamentou. E acrescentou: “A pessoa pode sair-lhe a prenda ou a fava. É a chamada justiça totoloto. E uma justiça totoloto não é uma justiça justa”.

A referência está relacionada com o facto de o inquérito às rendas da EDP ter tido já vários juízes de instrução, nomeadamente Carlos Alexandre e Ivo Rosa. Este último acompanhou a maior parte da investigação, que ainda não está concluída, tendo constituído uma verdadeira dor de cabeça para os procuradores titulares do inquérito. Isto porque diversas vezes Ivo Rosa recusou autorizar ou anulou diligências realizadas pelo Ministério Público, o que obrigou a múltiplos recursos para o Tribunal da Relação de Lisboa, que revogou grande parte das decisões do juiz madeirense.

Por seu lado, foi quando Ivo Rosa estava em exclusivo com a Operação Marquês e o processo da EDP foi parar às mãos de Carlos Alexandre que o Ministério Público conseguiu uma das principais vitórias neste caso: em Julho do ano passado viu ser suspenso de funções o então presidente da EDP, António Mexia, e o presidente da EDP Renováveis, João Manso Neto, obrigados ainda, cada um, a prestar uma caução no valor de um milhão de euros.

As duas formas antagónicas como os dois únicos juízes do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), que concentra a criminalidade mais complexa e mais violenta do país, vêem as suas funções e a mancha que isso deixa no sistema judicial, levaram a uma alteração legislativa que fundiu o TCIC com o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, que vai permitir no início do próximo ano alargar de dois para nove os magistrados da nova instância.

No que diz respeito à relação com Sócrates, Manuel Pinho confirmou que existe uma “boa relação pessoal” e que fala com o antigo primeiro-ministro “com alguma frequência”. “Trabalhei com ele. Tenho uma boa relação pessoal. Por que razão não haveria de falar?”, lança de forma retórica.

O antigo professor universitário diz ter a sua “imagem”, junto dos filhos e dos que foram seus alunos, a defender, o mesmo que acontece com o “legado” nas energias renováveis.

Lamentou que o Ministério Público tenha constituído a sua mulher arguida, por alegadamente esta o ter ajudado a esconder dinheiro com origem ilícita, sobre uma parte do qual não terá pago impostos. “É uma injustiça tremenda estarem a envolver a minha família nisto”, criticou.

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