“Deitei as mãos à cabeça: ‘Estamos desgraçados.’ A atitude do Metro foi: ‘Desenrasquem-se’”

Metro de Lisboa vai ocupar temporariamente 33 fracções na Madragoa para avaliar condições estruturais dos edifícios. Os afectados não contestam a intenção, mas criticam a forma e o tempo do processo.

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Jorge Monteiro está a esvaziar parte do seu armazém, embora ainda não tenha assinado o acordo com o metro Rui Gaudêncio
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A ocupação temporária incide sobre quatro edifícios entre a Travessa do Pasteleiro e a Av. D. Carlos I Rui Gaudêncio
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É por aqui que vai passar o túnel da nova linha entre o Rato e o Cais do Sodré Rui Gaudêncio

O armazém da Flor da Selva está num rebuliço. Há caixas empilhadas no meio do caminho e sacos arrumados a um canto. Na área que já conseguiu esvaziar, um funcionário vai dando umas vassouradas. Uma parte das instalações desta torrefacção de café tem de ficar livre nas próximas duas semanas.

A 3 de Janeiro, esta é uma das 33 fracções de um quarteirão da Madragoa que o Metro de Lisboa vai ocupar, por um período de cinco semanas, para “uma análise aprofundada” das suas condições estruturais. É por ali que vai passar o túnel da futura linha entre o Rato e o Cais do Sodré e a empresa pública quer perceber se é preciso fazer reforço de estruturas.

Na Travessa do Pasteleiro, os afectados por esta ocupação temporária não se opõem à intenção do Metro, mas criticam a forma como foram tratados. “Antes de fazerem a carta deviam ter constituído um gabinete de apoio. Iam falar com as pessoas, iam ver qual é a sua realidade”, diz Jorge Monteiro, responsável pela Flor da Selva.

A carta a que se refere foi a que chegou no princípio de Novembro e dava um prazo de mês e meio para a desocupação total das instalações. “Deitei as mãos à cabeça: ‘Estamos desgraçados.’ A atitude deles foi: ‘Desenrasquem-se’”, critica o empresário. Com nove empregados a cargo e contratos com cafés e restaurantes que mantêm a torrefacção em permanente azáfama, Jorge Monteiro pediu apoio ao advogado e, entretanto, conseguiu que a ocupação do armazém fosse parcial, permitindo manter-se em funcionamento nas outras salas.

É essa zona que está agora a ser esvaziada. “Pedi a uma imobiliária para ver se havia armazéns aqui na zona, e nada... Só arranjámos em Palmela. Estamos até a negociar uma viatura nova só para ir para Palmela”, relata Jorge. “Vou ter de andar a pôr a mercadoria dentro dos carros, porque não cabe aqui dentro. Devia ter havido um comportamento digno, humano”, critica.

Na terça-feira, depois de uma reportagem da revista Sábado e de uma visita dos deputados da Iniciativa Liberal, a assembleia municipal aprovou moções da IL e do PSD de repúdio ao processo. Na véspera, o Metro veio dizer em comunicado que três proprietários das fracções afectadas já tinham assinado um acordo e que outros “20 já o aceitaram, aguardando-se a respectiva assinatura”. “As informações sobre as indemnizações a pagar foram já definidas e comunicadas aos proprietários. Até este momento o montante total é de cerca de 125 mil euros e este valor foi apurado por um perito avaliador independente”, informou ainda o Metro.

Apesar de já estar a arrumar o armazém, Jorge Monteiro ainda não assinou o acordo. “Só assino quando o advogado me disser para assinar”, garante. Patrícia, que prefere ser identificada apenas pelo primeiro nome, é uma das moradoras do bloco que ainda está renitente. “Eu percebo a necessidade de fazer o diagnóstico, mas têm de nos dar explicações”, afirma.

Foi-lhe proposta uma indemnização de três mil euros que se destina, entre outras coisas, para alojamento durante as cinco semanas. “E as minhas coisas todas aqui dentro?”, questiona-se. Como a carta do Metro informa que as paredes devem estar livres de objectos e que poderão ser abertos roços nas paredes, chão e tectos, Patrícia quer tirar tudo de casa. “Tenho a minha vida toda ali dentro. Estão-se a esquecer de que é preciso assegurar embalagem, mudança e armazenamento. Estas coisas não se tratam em cima do Natal.”

No comunicado, o Metro diz que os valores propostos englobam “o alojamento em hotel ou alojamento local pelo período da ocupação, a diferença de custo para as refeições fora do domicílio, o tratamento da roupa fora do domicílio, as deslocações e a mudança e limpeza da habitação”. E assegura ainda que, “caso os interessados incorram, comprovadamente, noutras despesas derivadas da ocupação temporária, o Metropolitano assumirá tais responsabilidades”.

O presidente da Junta de Freguesia da Estrela e autor da moção do PSD, Luís Newton, diz que “as pessoas se sentem muito pressionadas” e que “o sentimento geral é de alguma angústia”. Afirma mesmo que sabe de uma pessoa que assinou o acordo, “porque pensou que era aquilo ou não era nada” e “já se arrependeu”.

“O Metro agiu com total falta de transparência”, acusa Newton. “As pessoas são confrontadas com uma quantidade de documentação jurídica e muitas não têm condições para a interpretar. O Metro devia ter contactado a junta, devia ter proposto um acompanhamento e não era isso que ia causar qualquer dificuldade. Há tanta derrapagem de prazos perfeitamente inútil”, comenta.

As duas moções aprovadas na assembleia pedem a intervenção do Governo para suspender o processo, que o Metro diz ser urgente. O ministro do Ambiente, Matos Fernandes, visita esta quinta-feira as obras da linha circular.

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