A paleta de cores da biotecnologia
O desenvolvimento e produção de vacinas é um dos exemplos de biotecnologia vermelha. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a vacinação evita entre dois a três milhões de mortes por ano. Esta é a última crónica da série A Saúde no Saber.
A ideia inicial de associar cores à biotecnologia surgiu há cerca de duas décadas e, a partir daí, evoluiu para incluir uma diversidade de cores.
Quando falamos nas cores da biotecnologia, falamos exactamente de quê?
A definição (ou definições) de biotecnologia pode ser mais confusa do que esclarecedora. Por exemplo, se consultarmos um dicionário comum temos como uma das definições de biotecnologia “qualquer tecnologia que recorra à manipulação de agentes biológicos para fins produtivos”. Um pouco vasto, certo? E o que é que isto tem a ver connosco? Na verdade, muito!
Talvez olhando para a biotecnologia através das suas diferentes áreas de intervenção ajude a perceber a sua multidisciplinaridade e o seu (enorme) impacto no nosso quotidiano.
E onde é que entram as cores…? Na verdade, a associação inicial de quatro áreas da biotecnologia a diferentes cores surge no início dos anos 2000 e, por proposta de Edgar J. DaSilva (microbiólogo indiano e antigo director da Divisão de Ciências da Vida da UNESCO), evolui posteriormente para uma paleta de cores mais alargada dadas as múltiplas aplicações da biotecnologia. Talvez a mais óbvia seja a vermelha, que representa todos os desenvolvimentos biotecnológicos na área da saúde. O desenvolvimento e produção de vacinas é um dos exemplos de biotecnologia vermelha. Mais de 100 milhões de crianças são vacinadas por ano em todo o mundo e, segundo a Organização Mundial da Saúde, a vacinação evita entre dois a três milhões de mortes por ano.
Se dúvidas houvesse, o exemplo da recente pandemia tornou uma vez mais evidente a importância do desenvolvimento de novas vacinas. Basta pensar quantas vidas foram/serão poupadas com as vacinas anti-SARS-CoV-2 e a redução de custos de tratamento associados a esta doença. Por isso, o exercício é simples, tentemos imaginar um mundo sem vacinas, sem antibióticos, sem os muitos tratamentos inovadores contra o cancro, sem insulina ou canetas para a administrar, ou medidores de glicose, sem os inúmeros testes de diagnóstico, sem terapia génica... Aterrador, certo?
A verdade é que não nos passa pela cabeça um mundo assim; e ainda bem, já que significa que os desenvolvimentos nesta área não irão ficar por aqui. Exemplo disso é o reconhecimento e atribuição recente dos prémios Nobel da Química de 2018 pelo desenvolvimento de tecnologias que permitem o melhoramento de enzimas e a selecção de novos anticorpos, e de 2020 pela descoberta e desenvolvimento do método de edição genética CRISPR/Cas9, cujos benefícios para a saúde humana ainda agora se começam a revelar.
A biotecnologia é só vermelha?
Não! Há muitas outras cores que a representam e todas com impacto mais ou menos directo no nosso dia-a-dia. A optimização de processos ambientalmente mais sustentáveis, através da utilização de fungos, bactérias, plantas ou enzimas para a produção em escala industrial de vitaminas, biocombustíveis ou biopolímeros são exemplos de biotecnologia branca.
Já o desenvolvimento de soluções de biorremediação com vista a minimizar os impactos causados pela poluição aparece associado ao cinzento. Mas há muito mais.
A combinação destas cores, com todos os desenvolvimentos esperados para as áreas da biotecnologia associadas ao verde, ao castanho e ao azul, será crítica para nos ajudar a ultrapassar os muitos desafios que se nos colocam com o impacto das alterações climáticas e da actual e futura escassez alimentar.
Estima-se que em 2030 cerca de 660 milhões de pessoas sofram de má nutrição ou fome, e este número tenderá a agravar-se com o incremento de condições climáticas extremas. É um número assustador que a biotecnologia ajuda(rá) a mitigar contribuindo para a resiliência dos sistemas produtivos, seja através do aumento de rendimento de produção de certas culturas, ou promovendo o aumento de tolerância a pragas e a resistência a condições de seca extrema. Para não falar no papel da biotecnologia para a obtenção de alimentos nutritivamente mais completos que ajudarão a colmatar diferentes formas de deficiências em micronutrientes, um grave problema de saúde pública que afecta cerca de 1500 milhões de pessoas em todo o mundo.
Todos temos uma cor favorita. Mas, no que toca à biotecnologia, é mais acertado falar numa paleta complexa e dinâmica que reflecte a multidisciplinaridade e os pontos de contacto entre as diferentes áreas, cada vez mais interligadas e que globalmente concorrem para tornar o nosso mundo melhor. E agora? Atreve-se a escolher só uma destas cores?
Autores:
Isaura Simões (Centro de Neurociências e Biologia Celular, ou CNC, da Universidade de Coimbra, ou UC)), Ricardo Vieira-Pires (CNC, UC e Escola Universitária Vasco da Gama)
Ilustração: André Caetano
Produção e revisão: Carolina Caetano, João Cardoso e Marta Quatorze
Coordenação do projecto: Sara Varela Amaral