Nova Caledónia referenda independência sob ameaça de boicote
Grupos pró-independência acusam França de recusar adiar data da votação para reduzir hipóteses de vitória do “sim”.
A Nova Caledónia realiza no domingo um referendo para decidir se quer a independência de França, apesar das preocupações de que um boicote dos partidos pró-independência que se opõem à realização da votação em plena pandemia de covid-19 possa causar um surto de violência.
A decisão da França de realizar a última de uma série de três votações no domingo, contra a vontade dos indígenas Kanaks, atraiu condenação nas ilhas vizinhas do Pacífico, onde a sensibilidade sobre a colonização é alta.
O Melanesian Spearhead Group (MSG), formado por Vanuatu, Fiji, Papua Nova Guiné, Ilhas Salomão e o principal partido de independência da Nova Caledónia, pediu aos países das ilhas do Pacífico que não reconheçam o resultado.
No Acordo de Nouméa de 1998, que traçou um caminho para a potencial independência, ficou decidida a realização de três referendos para determinar o futuro do país.
Entre as duas votações anteriores, em 2018 e 2020, o voto no “não” desceu de 57% para 53%, pelo que este referendo representa a última oportunidade para o “sim” alcançar a maioria simples.
Grupos pró-independência acusaram a França de recusar-se a adiar a votação até final de 2022, conforme permitido pelo Acordo, com a intenção de reduzir as hipóteses de vitória do “sim” e de silenciar os nacionalistas antes das eleições presidenciais francesas no início do próximo ano.
Os líderes Kanak dizem que a pandemia impediu a realização de uma campanha de porta em porta nas aldeias. E querem também permitir que haja tempo para os períodos tradicionais de luto – cerca de 300 pessoas, principalmente Kanak, morreram de covid-19 desde Setembro, numa população de cerca de 270 mil.
O presidente do Congresso da Nova Caledónia, Roch Wamytan, um líder pró-independência que assinou o acordo de paz, levantou preocupações na quinta-feira durante uma comissão das Nações Unidas sobre descolonização.
A ex-secretária-geral do Fórum das Ilhas do Pacífico, Meg Taylor, escreveu, em conjunto com os ex-líderes de Tuvalu, Kiribati, Palau e das Ilhas Marshall, ao Presidente francês, Emmanuel Macron, a 23 de Novembro para alertar para o perigo de violência se o referendo fosse adiante.
Observadores eleitorais das Nações Unidas e do Fórum das Ilhas do Pacífico chegaram entretanto à capital Nouméa, assim como dois mil polícias franceses com a missão de manter a ordem no território. O próprio Acordo de Nouméa foi assinado para ajudar a encerrar uma década de conflito que resultou em 80 mortes.
George Hoa’au, director-geral interino do MSG, considera que os franceses “não são bons em anti-colonização”.
“Eles não são bons em estabelecer relações igualitárias com as ex-colónias”, disse Hoa’au à Reuters, numa entrevista por telefone. “Não devemos permitir esse tipo de relação com os povos indígenas em pleno século XXI”, acrescentou
Já Meg Taylor disse à Reuters que a descolonização era uma prioridade para as nações insulares do Pacífico: “Será um processo legítimo quando as pessoas não comparecem?”
Um porta-voz do ministro francês para os Territórios Ultramarinos, Sebastien Lecornu, justificou a realização do referendo com o facto de a taxa de incidência da covid-19 estar numa “tendência positiva há um mês”.
“Estamos cientes de que a data de 12 de Dezembro não é consensual, mas é dever do Estado defini-la”, afirmou.
Caso o boicote se confirme, o porta-voz de Lecornu disse que a França irá “tirar conclusões da não-participação, que é uma mensagem muito forte enviada pelos apoiantes da independência, mas a falta de participação não irá anular ou cancelar o resultado dos três referendos”. Mas acrescentou que o país promoverá o diálogo com todas as partes no dia seguinte ao referendo.
No entanto, o líder do partido Rassemblement da Nova Caledónia e ex-presidente, Thierry Santa, disse que tal diálogo é improvável antes das eleições presidenciais francesas. Santa ligou a decisão da França à renovada atenção de Paris à região do Indo-Pacífico e à revolta pelo cancelamento do importante contrato de venda de submarinos franceses à Austrália.
“É absolutamente certo que a quebra do contrato da venda dos submarinos pela Austrália e pelos Estados Unidos influenciou a atitude da França em relação à Nova Caledónia”, disse Santa, cujo partido é anti-independência.
Reuters