Os sessentas

Andamos por aqui no limbo, meio perdidos ao sabor do vento. Ora somos demasiado “maduros” para trabalhar, ora demasiado novos para nos reformarmos.

Foto
Getty Images

No outro dia fui a uma entrevista de trabalho. Coisa que não fazia há décadas.

Depois de ouvir a descrição do perfil da pessoa que procuravam, respondi afirmativamente à pergunta se achava estar à altura da posição. Sentia-me bastante segura, os meus cargos anteriores tinham sido idênticos e de igual responsabilidade. Pareceu-me, no entanto, que a “montagem” deste departamento e respectiva escolha de pessoal estava a ser feita em cima do joelho. Não havia certezas de nada, inclusive dos vencimentos para as várias categorias. Informaram-me de que, no meu caso, o ordenado teria uma parte fixa e outra variável. “Variável como, sobre vendas a partir do escritório? E que percentagens?” Estas perguntas ocorreram-me em catadupa, mas não as verbalizei, pois nem sequer havia ainda quaisquer propriedades em portefólio… Em suma, não havia respostas concretas. Havia, sim, muita urgência em começar e saber se eu estaria disponível.

Sabendo eu que, em geral, as firmas pagam pouco mas exigem muito e tudo indicava que seria a situação, quando me perguntaram quanto estaria à espera de receber lancei-lhes o valor que achava justo. Senti que, para a experiência exigida, a responsabilidade da maioria das tarefas, o supervisionamento do leque de vendedores, a fluência em várias línguas, a boa apresentação e o saber lidar com clientes de gama alta, aliado ainda ao facto de ter de trabalhar seis vezes por semana, teria de ter alguma contrapartida válida. A resposta foi obviamente “Ah, pois… tínhamos pensado em menos”. Retorqui que se pretendiam ter ali uma funcionária que preenchesse aqueles requisitos todos, e não querendo “ninguém demasiado jovem com unhas compridíssimas”, seria lógico pagarem de acordo. Ficaram de me informar posteriormente por email do valor do ordenado, bem como da percentagem respeitante à parte flexível do mesmo. Ainda ouvi, numa dada altura da entrevista: “Se daqui a uns meses não vendermos nada, ninguém recebe e vai tudo para o desemprego”. Achei o supra-sumo de falta de profissionalismo.

Finalmente, perguntaram-me a idade. Quando mencionei, mostraram-se muito surpresos e, tentando disfarçar, responderam-me simplesmente “Realmente pensámos que fosse mais nova…”. Ficámos por ali. Por um instante, só um brevíssimo instante, desejei que o cartão de cidadão mostrasse menos uns anos.

Conclusão: passados três meses já não espero qualquer contacto. Esta situação só veio confirmar que as empresas não estão ainda preparadas para contratar funcionários de cabelos brancos. Preferem pagar a jovens sem qualquer experiência, até porque os podem moldar a seu belo prazer. Estes, por sua vez, sem outra saída, aceitam ordenados miseráveis. Os mais velhos, e aqui me incluo, oferecem experiência e know-how, é certo, mas não são vistos como uma mais-valia, são caros, não aceitam, e bem, receber o mesmo que estes jovens. Carregamos uma certa dignidade e não estamos dispostos a engolir muitos sapos.

Assim, andamos por aqui no limbo, meio perdidos ao sabor do vento. Ora somos demasiado “maduros” para trabalhar, ora demasiado novos para nos reformarmos.

Numa sociedade em que o sucesso e a felicidade se reduzem, a maior parte das vezes, a dinheiro e aparência, sendo cotas ou velhos, o que quiserem chamar, estamos descartados. Se fui apanhada desprevenida? Não, de todo! Só envelhecemos, na realidade, quando nos fechamos para a vida e para o que é novo. A luta continua.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários