Ninguém quer ser pescador na Europa, mas UE vai tentar atrair novas gerações
Profissão é dura, arriscada e de remuneração incerta. Há envelhecimento da frota e das tripulações, penosidade e baixos rendimentos. Os eurodeputados querem medidas da UE, sob pena de verem “colapsar um sector determinante para a alimentação e a economia”.
Um “sonho de décadas” tornou-se realidade em 2021. As obras de extensão do quebra-mar do portinho de Angeiras, em Matosinhos, estão concluídas e os 40 pescadores hoje no activo naquela comunidade piscatória, que vive “directa ou indirectamente da pesca”, saem agora para o mar em melhores condições de segurança. “Temos 17 embarcações de pesca artesanal e somos 80 famílias a depender da actividade piscatória”, lembrou ao PÚBLICO José Correia, presidente da Associação Mútua dos Armadores de Pesca de Angeiras, à saída de uma reunião na manhã cinzenta e chuvosa de 29 de Outubro, por iniciativa do eurodeputado do PCP, João Pimenta Lopes.
A obra marítima tem uma extensão de 488 metros e recebeu a visita do ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, e da secretária de Estado das Pescas, Teresa Coelho, a 31 de Julho. Foram cerca de quatro milhões de euros de investimento, financiado em 3,6 milhões pelo MAR 2020, tutelado por aquele ministério. Envolveu ainda a requalificação do posto de vendagem e transferência de pescado, a melhoria do canal e a rampa de acesso à zona piscatória, para o que foram alocados cerca de 400 mil euros.
Os ventos sopram de feição a Portugal nas estatísticas do consumo de pescado. Os portugueses continuam a ser os maiores consumidores de peixe, per capita, na União Europeia (UE), de acordo com o European Market Observatory for Fisheries and Aquaculture Products (EUMOFA). Em 2020, em média, cada indivíduo consumiu 59,9 quilos de peixe, 2,5 vezes mais do que a média registada na UE, o que representa um gasto de 371 euros, perto do triplo da média na UE-27 (133 euros).
O elevado consumo e a crescente procura por esta fonte de proteína — as Nações Unidas estimam que o consumo per capita será de 21,5 quilos até 2030, mais um quilo do que a quantidade actual — não espelham, no entanto, as condições laborais e sociais em que os pescadores operam.
“É uma profissão dura e com risco elevado, persistindo problemas sérios ao nível da segurança e do conforto das embarcações. As condições de carreira profissional são muito débeis, com formação profissional quase inexistente ou não reconhecida”. Como se não bastasse, a sua “remuneração é incerta e sujeita a descontinuidades”, diz ao PÚBLICO Manuel Pizarro, autor de um relatório aprovado no Parlamento Europeu a meados de Setembro (650 a favor, 17 contra e 20 abstenções), que reclama uma revisão legislativa que permita “dignificar a profissão de pescador, melhorar as condições de trabalho e atrair novas gerações”.
Em 2017, havia 150 mil pessoas empregadas na frota de pesca da União Europeia, 63% das quais com idade superior a 40 anos. Em Portugal, a média de idades é de 50 anos. As últimas Estatísticas da Pesca referem que, no nosso país, em 2020, estavam registados 15.324 pescadores, mais 707 indivíduos (+4,8%) face a 2019.
Leixões “totalmente abandonado”
Nem por coincidência, no dia em que o PÚBLICO acompanhou o eurodeputado João Pimenta Lopes ao portinho de Angeiras e seguiu, depois, para assistir a uma reunião com a organização de produtores Propeixe, em Leixões, um pescador tinha caído à saída de uma embarcação. “Faltava um degrau na estrutura de atracação”. O trabalhador “partiu uma costela”, revelou Agostinho da Mata, presidente da cooperativa, muito crítico das condições de trabalho naquele porto.
“O porto de Leixões tem sido totalmente abandonado, não tem condições de atracação das embarcações, é dos piores do país, não há investimento nos pescadores nem nos armazéns”, diz o responsável da Propeixe, lamentando ainda que “a vertente frota tenha sido completamente esquecida”, não havendo “qualquer apoio para a modernização dos motores”.
São “600 pescadores” a operar ali, todos portugueses — “ainda não há mão-de-obra estrangeira” —, “além dos comerciantes da lota e dos operacionais”. E estão cada vez mais “empacotados” nas instalações, em virtude das obras do novo terminal de contentores do porto de Leixões, que movimentará 480 mil TEU/ano e representa um investimento de 190 milhões de euros, mas que, segundo Agostinho da Mata, vai roubar área aos pescadores. “Vamos perder entre 20 e 25% da área de atracação” dos barcos de pesca e “o entreposto e a fábrica de gelo vão desaparecer”. Não falando na “circulação de camiões e automóveis, que vai aumentar”.
A somar à falta de condições sócio-laborais, em Portugal e na Europa, “a modernização tecnológica do sector ocorre a um ritmo insuficiente e falta o reconhecimento social que os pescadores merecem”, diz ao PÚBLICO o eurodeputado socialista. Garante que o problema tem sido “sucessivamente evocado nas instâncias internacionais, designadamente no Parlamento Europeu, só que, como tantas vezes acontece, tem havido uma enorme inércia em assumir um plano integrado de medidas para lhe dar resposta, ao nível da União Europeia e da generalidade dos Estados-membros”.
“Chegámos a um momento em que já não é possível adiar mais, sob pena de vermos colapsar um sector determinante para a alimentação das pessoas e para a economia e identidade de muitas regiões costeiras da Europa”, diz Manuel Pizarro. A prioridade, defende, é “transformar este resultado num instrumento de pressão política para obrigar a Comissão a agir”.
E começa a haver sinais. “O comissário europeu para o Emprego e Direitos Sociais, Nicolas Schmit, reconheceu no plenário que é urgente regular as questões relativas às condições de vida a bordo e os temas relacionados com a formação e o seu reconhecimento”, revela Manuel Pizarro.
Ao mesmo tempo, o comissário europeu do Ambiente, Oceanos e Pescas, Virginius Sinkevičius, “tem reafirmado o seu compromisso com a rápida aprovação dos planos operacionais nacionais” que permitirão operacionalizar o FEAMPA [Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos, das Pescas e da Aquicultura]”, assegura o eurodeputado.
Por sua vez, a directora da Agência Europeia para Segurança Marítima (EMSA), sediada em Lisboa, “assumiu que a sua instituição tem capacidade para monitorizar os acidentes com os barcos de menor dimensão, que agora não são investigados a esse nível”. Manuel Pizarro diz que isso é “decisivo, visto que 85% da frota de pesca da União é constituída por embarcações com dimensão inferior a 12 metros”.
Pesca não é atractiva
João Pimenta Lopes, autor do projecto de relatório “A situação da pesca de pequena escala na UE: perspectivas futuras”, discutido a semana passada na Comissão das Pescas do Parlamento Europeu, não é tão optimista. Sublinha que “o segmento da pesca de pequena escala, artesanal e costeira tem uma importância estratégica” — cerca de 76% das embarcações activas e 50% da tripulação” nas pescas da UE27 —, mas põe o dedo na ferida: “Há envelhecimento da frota e das tripulações” e “crescente falta de mão-de-obra”, a que se associa “uma baixa atractividade dos mais jovens, quer pela penosidade e condições de operação, quer pelos baixos rendimentos”.
O problema, diz ao PÚBLICO, é que “a centralização da gestão de pescas promovida pela política comum das pescas e a consequente perda de soberania dos Estados-membros daí decorrente têm imposto entraves a essa necessária gestão de proximidade”. Por isso não duvida: “O futuro da pesca de pequena escala exige maior protagonismo dos Estados e das políticas públicas, contrariando a lógica da crescente subordinação ao mercado e à concentração no sector”.
O PÚBLICO questionou o ministro do Mar sobre as medidas do novo FEAMPA no sentido de melhorar as condições laborais dos pescadores de modo a atrair jovens. Ricardo Serrão Santos concede que “a escassez de recursos humanos é transversal, sobretudo nas actividades ditas mais tradicionais” e que “a pesca não é excepção”.
O governante fala da necessidade de “uma intervenção integrada” para “promover a atractividade” do sector, principalmente para os jovens” e revela que o objectivo é reestruturar e modernizar, em termos de eficiência ambiental e energética, “25% da frota activa de pesca”; “intervir nas infra-estruturas de suporte”; dotar “100% dos portos comerciais, de pesca e marinas” de sistemas de gestão ambiental (das águas, águas residuais, resíduos e energia) que promovam a economia circular; “reforçar as dinâmicas de inovação e de qualificação dos agentes”; “prosseguir numa trajectória de valorização do pescado, para aumentar os rendimentos dos pescadores”.