UE reagiu com exagero e descoordenação à Omicron e Portugal não foi excepção
Falta uma política integrada de saúde que enquadre emergências. Sem isso, ficamos à mercê do “nacionalismo sanitário”.
Fazem sentido as restrições impostas pelos governos após ter sido identificada a variante Ómicron, que deixaram vários países da África Austral sem voos para muitos destinos no mundo, por exemplo? “Parece-me claro o exagero injustificado em relação às consequências da nova variante e a reacção de muitos dos governos europeus. Deveriam ter aguardado dois ou três dias para ouvirem os especialistas e avaliarem a possível gravidade da variante antes de avançarem com as restrições nas fronteiras”, disse ao PÚBLICO, por email, Vasco Gonçalves, especialista na avaliação e gestão de riscos ambientais do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.
“A lição para o futuro só deverá ser uma: actuar antecipadamente, com precaução, com base na melhor informação científica disponível em cada momento, procurando não comprometer a saúde pública e ao mesmo tempo evitar limitar as actividades económicas e sociais. Para isso haverá que tomar medidas de precaução, de que são exemplos o uso de máscaras e a realização de testes”, concluiu Vasco Gonçalves.
José Manuel Mendes, coordenador do Observatório do Risco Osiris do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, diz que o Governo português teve o que classifica como uma “sobre-reacção”, uma reacção exagerada, ao decretar o estado de calamidade. “Ninguém mais decretou estado de calamidade na Europa”, afirma o investigador de Coimbra. Mas é revelador do problema de que padece a União Europeia, que é uma falta de coordenação das políticas sanitárias. “Como a UE não tem uma política de saúde única tem sofrido muito disto, é o que eu chamo de ‘nacionalismo sanitário’. Antes chamava-se soberania de saúde pública, mas agora acho que é mesmo uma questão de nacionalismo”, considera.
O problema não afecta apenas Portugal, obviamente. Pode chegar-se ao cúmulo de haver várias políticas sanitárias dentro de um mesmo país, diz José Manuel Mendes. Dá o exemplo da Alemanha, país onde passou algum tempo recentemente, e está a viver uma forte onda de covid-19. “Tem-se 16 Estados federados, e cada um tem a sua política. Em Brandeburgo, onde eu estava, não há feiras de Natal. Mas se apanhar o comboio, em 20 minutos está em Berlim e há feiras de Natal. E as pessoas utilizam isto estrategicamente”, descreve.
“Se a UE tomasse uma decisão comum de fechar fronteiras a determinados países, ou activar o estado de calamidade de forma integrada entre os Estados-membros, aí teria sentido e as pessoas percebiam”, diz. Portugal, ao exigir testes a quem passa a fronteira – para além do certificado digital europeu, que deveria isentar os viajantes de mais provas do seu estado de saúde –, estará a pensar nas viagens dos emigrantes, e mesmo dos imigrantes que cá vivem, sublinha José Manuel Mendes. Mas isso valeu “um raspanete da Comissão Europeia ao nosso Governo”, frisa. “Temos emigrantes que vêm da Venezuela, da África do Sul, da Alemanha, da França, da Suíça, de Moçambique. E temos um fluxo de migrantes de outros países europeus. Mas isto podia ter sido dito, para se perceber porque é que o Governo tomava as medidas”, considera.
“O que fica é uma sensação de que a UE não existe, que é tudo ad hoc. É perigoso que um Governo possa fazer isto sem sanções. Não podemos estar dependentes do Centro Europeu para o Controlo e Prevenção das Doenças para a definição das medidas, da Agência Europeia de Medicamentos para a acreditação de vacinas, e depois na política concreta é cada um por si”, sublinha José Manuel Mendes.