Relação confirma sentença do Tribunal da Concorrência ao Montepio
Tribunal considerou “totalmente improcedentes” os recursos apresentados pela Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), António Tomás Correia, Almeida Serra, Eduardo Farinha, Álvaro Dâmaso e Barros Luís.
O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) confirmou a sentença do Tribunal da Concorrência que considerou parcialmente procedentes os recursos do Montepio e antigos administradores, condenando-os a pagar coimas superiores a dois milhões de euros.
No acórdão de quinta-feira, a que a Lusa teve hoje acesso, o colectivo da secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão (PICRS) do TRL considerou “totalmente improcedentes” os recursos apresentados pela Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), pelo seu antigo presidente António Tomás Correia e pelos antigos administradores Almeida Serra, Eduardo Farinha, Álvaro Dâmaso e Barros Luís.
O colectivo, com voto de vencido do presidente do PICRS, Eurico Reis, considerou não ser merecedora de qualquer censura a sentença proferida no passado dia 9 de Abril pela juíza Mariana Machado do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, a qual reduziu as coimas a que os recorrentes haviam sido condenados pelo Banco de Portugal (BdP), ao considerar parcialmente procedentes os recursos de impugnação para a primeira instância.
Na sentença agora confirmada pelo TRL, a CEMG viu reduzida a coima de 2,9 milhões de euros aplicada pelo BdP para um milhão de euros, Tomás Correia de 1,4 milhões para 375.000 euros, Almeida Serra de 550.000 euros para 275.000 euros, Álvaro Dâmaso de 140.000 para 135.000 euros, Eduardo Farinha de 300.000 para 290.000 euros, mantendo Barros Luís a coima de 75.000 euros, todas suspensas em metade do valor por 15 meses.
A sentença resultou da apensação de dois processos contra-ordenacionais, um por violações das regras e incumprimento de controlo interno, referentes, nomeadamente, à concessão de crédito, e o outro sobre irregularidades nos mecanismos de prevenção de branqueamento de capitais.
Na sentença de 9 de Abril, agora confirmada pelo TRL, o TCRS considerou provado que as ordens de serviço internas da CEMG foram diminuindo as regras de controlo da concessão de crédito, contendo várias excepções que permitiam dispensar a análise do risco de crédito da operação (em créditos à habitação e grandes empresas), violando os avisos do BdP e com impacto negativo no banco.
Entendeu igualmente que foram violadas regras relativas ao conflito de interesses ao serem aprovados créditos para empresas com capital da CEMG por administradores que eram gestores de ambas.
Apontou, ainda, a falta de provisões para risco de crédito, com o objectivo de mitigar a deterioração da carteira de crédito, e o facto de as três maiores subscrições na oferta pública autorizada pelo BdP terem sido financiadas pela filial Finibanco Angola, contando como aumento dos capitais próprios, o que contrariou as orientações do supervisor.
O TCRS considerou ainda provado que houve várias operações de crédito às participadas Finimóveis e Lusitânia que excederam os 10% dos capitais próprios.
No âmbito do processo apensado, a sentença confirma que o sistema de prevenção de financiamento do terrorismo e branqueamento de capitais era deficitário, tendo sido posteriormente corrigido.
Neste processo, Almeida Serra acabou por sofrer uma admoestação e Tomás Correia foi absolvido por existirem dúvidas quanto à sua participação.
Suspensão das coimas em metade do valor
O TCRS decretou a suspensão das coimas em metade do seu valor atendendo à idade avançada de vários dos antigos administradores e por já não exercerem qualquer função no banco, bem como por não se terem apropriado de património nem praticado actos para ocultar os factos, tendo, por insistência do BdP, corrigido a maioria das situações.
No recurso para o TRL, datado do final de Abril, os recorrentes invocavam, nomeadamente, o que classificavam de “casos julgados contraditórios”, uma vez que existiu um recurso do Ministério Público (MP) ao despacho de recebimento inicial dos autos, de 7 de Junho de 2019, o qual foi alvo de acórdão da Relação em 11 de Setembro de 2019, dois dias depois da sentença que determinou a devolução do processo ao BdP por violação do direito de defesa na fase administrativa.
O acórdão do TRL de 2019 determinou a anulação do despacho de recebimento, bem como de toda a tramitação que se lhe seguiu, o que abrange a sentença proferida pelo juiz Sérgio Sousa em 9 de Setembro de 2019, que os recorrentes pretendiam ver declarada transitada em julgado, mas cuja nulidade a Relação vem agora reafirmar.
Na decisão de quinta-feira, o TRL pronuncia-se ainda sobre a prescrição das infracções invocada pelos recorrentes, considerando que, ao prazo máximo de 8 anos acrescido dos 160 dias da suspensão devido à pandemia da covid-19, se junta o alargamento dos prazos de suspensão dos procedimentos contra-ordenacionais previstos no decreto-lei 157/2014, publicado na sequência das iniciativas para reforço do sistema financeiro após a crise iniciada em 2008.
No seu voto de vencido, Eurico Reis afirma discordar deste entendimento, considerando que as infracções em causa neste processo já prescreveram.
Por outro lado, declara o seu acordo com a sentença de 9 de Setembro de 2019 do TCRS, entendendo que o processo deveria ter regressado à entidade administrativa para sanar os vícios apontados (violação do direito de defesa), embora reconheça que, com o acórdão de 11 de Setembro de 2019 do TRL, essa decisão não transitou em julgado como pretendem os recorrentes.
Para Eurico Reis, a celeridade não se pode sobrepor ao “direito a ver cumprido, na sua integralidade, o ritual processual legalmente estabelecido”, permitindo “um julgamento leal, não preconceituoso e mediante processo equitativo”.
O juiz desembargador considera “incompreensíveis” e “insustentáveis as decisões através das quais se dificulta a produção de meios de prova por parte dos acusados quando dessa actividade probatória não resulte um atraso desproporcionado da tramitação do processo”.
Em concreto no processo aponta a não junção das fichas de imparidade de 2011, solicitada pela CEMG, e a recusa de “audição de várias testemunhas arroladas pelos alegados infractores, quando o mesmo não aconteceu com as indicadas pela entidade reguladora acusadora, constituindo essas duas situações uma violação do princípio da igualdade de armas na litigância”.
Pelo que considera que, ao invés de confirmar a sentença do TCRS, o TRL deveria tê-la revogado e devolvido os autos à primeira instância para sanar os vícios que aponta.
Eurico Reis reconhece que a sua posição “é claramente minoritária” e mesmo “contrária a julgamentos de Tribunais relevantes”, como o Tribunal de Justiça da União Europeia, mas afirma que “a evolução da Jurisprudência se faz amiúde por via da formulação de votos expressando interpretações/opiniões minoritárias”