Qual é a moral da história?
Depois de mais umas divagações sobre a vida de estudante, que incluem uma forte vontade em abandonar a sua alma mater (facto que não abona propriamente essa instituição), chegamos ao fim do artigo com uma questão: qual é a moral da história? Será mesmo este o estado do ensino superior em Portugal?
Queixar, todos nos queixamos. É natural, especialmente no caso dos estudantes universitários. Porém, queixar meramente para desabafar é diferente de queixar com argumentos sólidos. No artigo do P3 de Beatriz Romão, assistimos a um queixume desnecessário e deslocado da realidade: vejamos porquê.
Quanto à primeira questão da azáfama das frequências de Novembro, esta não é surpresa para ninguém. É sabido que é necessário dar-se primeiro a matéria e depois avaliá-la, pelo que dois meses (Setembro e Outubro) de leccionação de conteúdos e a sua avaliação em Novembro é algo que faz parte dos calendários académicos há muito tempo. E não é algo que aconteça apenas em Évora. Qualquer aluno de uma instituição de ensino superior em Portugal se revê nisto. Nenhuma novidade aqui.
Se existem duas avaliações no mesmo dia, essa já é uma questão interessante, mas para o Conselho Pedagógico (CP) da instituição de ensino superior, pois colocam-se dois cenários: ou é algo que já foi previamente aceite pelo CP e considerado um procedimento necessário, ou é algo irregular do qual este órgão poderá nem ter conhecimento. Felizmente, existem representantes de estudantes neste Conselho, para além de existirem estruturas como Associações de Estudantes cuja finalidade é defender o superior interesse dos estudantes. Ao discordar-se de ter duas avaliações no mesmo dia, o melhor mesmo é questionar o Conselho Pedagógico ou contactar os colegas que integram este órgão.
Propinas, propinas e mais propinas. É importante relembrar que, até há poucos anos, o valor anual das propinas era de 1063 euros. Assim, tem havido uma tendência de redução das propinas – que idealmente levará a uma abolição das mesmas -, e do consequente encargo financeiro para os agregados familiares, tendo essa diferença passado para a despesa do Estado com o ensino superior público. Por outras palavras, menos sobrecarga para as famílias e mais financiamento do Estado na formação de cada estudante universitário.
No entanto, nem os antigos 1063 euros nem os actuais 697 euros anuais equivalem ao custo real de uma formação no ensino superior, sendo o exemplo mais directo o do valor investido pelos contribuintes na formação de um estudante de Medicina numa universidade pública. Colocando em perspectiva, o valor anual das propinas não chega a um mês de Salário Mínimo Nacional (665 euros). Portanto, sim, “a maior parte das aulas não vale as propinas que pagamos”, visto que os valores em salários de professores e funcionários, equipamentos e demais recursos da instituição, quando divididos per capita, valem muito mais que os 697 euros das propinas anuais de um estudante.
Em relação ao estudo individual, é simplesmente algo que faz parte de ser estudante universitário e não o caso particular dos estudantes de determinada instituição. O processo de Bolonha, que introduziu uma uniformização dos ciclos de ensino a nível europeu, levou a uma redução do número de anos dos cursos ministrados em Portugal, mas não necessariamente a uma redução dos conteúdos a leccionar. Isto implicou uma mudança no paradigma para que existisse um aumento da participação em aula e do trabalho autónomo do estudante fora da universidade ou politécnico. Assim, o professor lecciona a matéria e orienta o estudante, e o estudante faz a sua própria aprendizagem e estudo com base nos recursos fornecidos (sem prejuízo de encontrar outros recursos e aprofundar os seus conhecimentos além do exigido para a avaliação). Como disse, isto é comum a todos os estudantes, mas também não é algo novo, tendo em conta que já passaram mais de 20 anos desde a Declaração de Bolonha. Por mera curiosidade, é de referir que foi também Bolonha que criou o sistema de creditações ECTS, que uniformiza e agiliza os processos de creditações de unidades curriculares feitas em mobilidade, como é o caso do programa Erasmus+.
Depois de mais umas divagações sobre a vida de estudante, que incluem uma forte vontade em abandonar a sua alma mater (facto que não abona propriamente essa instituição), chegamos ao fim do artigo com uma questão: qual é a moral da história? O que ganhamos ao ler esta opinião? Será mesmo este o estado do ensino superior em Portugal?
Só podemos concluir que se trata de um desabafo de (mais) uma pessoa estudante universitária. Como estudante que ainda vive a vida académica, revejo-me em algumas das queixas dos meus colegas: nem sempre é fácil e o sistema de ensino não é perfeito, mas é o que temos até as coisas mudarem. Porém, algumas das questões afloradas no artigo do P3 não se comparam com as questões macro – infelizmente, ainda sem resposta -, como a do insuficiente financiamento da ciência, tecnologia e ensino superior, da falta de alojamento estudantil público ou de alojamento privado a preços regulados, das questões de igualdade de género nas STEM e suprimento de obstáculos no acesso ao ensino superior, entre outras. Revejo-me em algumas questões da Crónica Universitária, mas não necessito de constatar o óbvio em praça pública.