França cancela reunião com responsável britânica sobre migrações
Estava prevista uma mini-cimeira para domingo em Calais para debater as migrações no Canal da Mancha, na sequência do naufrágio que matou 27 pessoas esta semana.
O Governo francês cancelou uma reunião com a ministra do Interior britânica, Priti Patel, que estava agendada para este domingo para debater a rota de migração ilegal no Canal da Mancha. Em causa está a divulgação de uma carta pelo primeiro-ministro Boris Johnson dirigida ao Presidente francês, Emmanuel Macron, considerada “indigente” por Paris.
Para este domingo estava marcada uma reunião entre responsáveis ministeriais de França, Reino Unido, Bélgica, Países Baixos, Alemanha e da Comissão Europeia em Calais. O foco da cimeira é a crise migratória no Canal Mancha, que esta semana passou para o topo da agenda política depois da morte de 27 pessoas que seguiam a bordo de um pequeno bote insuflável que afundou.
Entre as vítimas estavam 17 homens, sete mulheres, uma das quais grávidas, e três crianças, na sua maioria curdos do Iraque e do Irão, que procuravam chegar ao Reino Unido para pedir asilo.
O incidente levou os responsáveis do Interior de vários países europeus a marcar um encontro para este domingo para tentar encontrar formas de travar os fluxos de imigração ilegal e combater o tráfico de seres humanos. No entanto, o convite a Priti Patel foi retirado esta sexta-feira pelo seu homólogo francês, Gérald Darmanin.
A decisão ocorreu depois de Johnson ter publicado na véspera uma carta que havia enviado a Macron na qual enumerava várias medidas que gostaria de ver postas em prática pelos dois países. Johnson também sugeriu que a União Europeia negociasse um acordo de “readmissão” de migrantes à semelhança dos que existem com a Bielorrússia e a Rússia e que, antes de isso ser concretizado, que os dois países celebrassem um acordo desse tipo.
“Isto teria um efeito imediato e iria reduzir significativamente – se não parar – as travessias, salvando vidas quebrando o modelo de negócios das organizações criminosas”, escreveu Johnson.
A carta, e sobretudo a sua divulgação, foram muito mal recebidas em França e agravaram o estado das relações entre Paris e Londres, que se tornaram particularmente conflituosas depois do “Brexit”.
Já na manhã desta sexta-feira, Macron disse que a forma como Johnson lidou com a carta não foi apropriada nos termos do tratamento esperado entre governantes. “Fico surpreendido quando as coisas não são feitas de forma séria, não comunicamos entre líderes através de tweets ou de cartas abertas, não somos denunciantes”, declarou o Presidente francês em Roma, onde se encontrou com o primeiro-ministro italiano, Mario Draghi.
Macron disse que terá de se esperar para ver o que acontece nas negociações com o Reino Unido, caso “decidam ser sérios”.
A carta é “indigente no seu conteúdo e totalmente deslocada na sua forma”, havia afirmado pouco antes o porta-voz do Governo francês, Gabriel Attal, em declarações à BFM-TV. “Indigente no seu conteúdo porque não respeita o trabalho que é feito pela nossa guarda-costeira, os nossos polícias, gendarmes, os nossos nadadores-salvadores (…) propõe esse acordo de ‘relocalização’, que evidentemente não é o que é necessário para resolver o problema”, justificou.
A reunião em Calais continua marcada, mas sem a presença da responsável britânica – um dos países mais procurados por migrantes e requerentes de asilo – há dúvidas quanto ao que pode ser realmente alcançado.
O episódio vem aprofundar ainda mais o ambiente tenso vivido entre o Reino Unido e França, que se mantêm embrenhados em pequenas disputas no pós-“Brexit”, como no que respeita ao regime de direitos de pesca.
O secretário britânico dos Transportes, Grant Shapps, disse esperar que o Governo francês “reconsidere” a decisão de não convidar Patel. “Nenhum país pode resolver isto sozinho”, afirmou à BBC.