Dois anos depois de receber o Nobel da Paz, Abiy Ahmed vai para a frente de batalha

O primeiro-ministro etíope diz que vai combater na linha da frente as forças rebeldes do Tigré, na guerra civil que dura há um ano.

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Abiy Ahmed chegou ao poder em 2018, rompendo com a hegemonia tigré no aparelho de Estado Reuters/TIKSA NEGERI

O primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, diz estar preparado para comandar as forças militares do país directamente na linha da frente para combater os insurgentes tigré, que têm reportado avanços importantes na guerra civil que já dura há cerca de um ano.

“A partir de amanhã, irei deslocar-me para a frente [de combates] e comandar as forças de defesa”, declarou Abiy, numa mensagem partilhada nas redes sociais na segunda-feira à noite. “Aqueles que querem estar entre as crianças etíopes, que vão ser saudados pela história, que se ergam pelo seu país hoje. Encontramo-nos na linha da frente”, acrescentou o chefe do Governo.

As agências noticiosas internacionais não conseguem confirmar se Abiy – que já havia combatido na guerra da Eritreia, entre 1998 e 2000 – de facto se deslocou para alguma das frentes de batalha esta terça-feira e o Governo de Adis Abeba também não prestou mais declarações sobre o assunto. Por causa do conflito com os rebeldes tigrés, as comunicações e as deslocações por todo o país estão altamente restringidas, bem como o trabalho jornalístico.

No entanto, as dramáticas declarações do dirigente etíope marcam uma subida de tom acentuada na retórica em torno da guerra civil que dura há já um ano.

Desde Novembro do ano passado que o Exército etíope, com apoio de outras forças regionais e também da Eritreia, combate rebeldes coordenados pela Frente de Libertação do Povo Tigré (FLPT). Calcula-se que dezenas de pessoas tenham morrido e que muitas mais tenham sido forçadas a abandonar as suas casas e estejam sujeitas a condições de vida muito precárias.

Nas últimas semanas, as forças da FLPT dizem ter conseguido avanços importantes na direcção da capital. Os últimos relatos dão conta da tomada da cidade de Shewa Robit, a 220 quilómetros a nordeste de Adis Abeba, diz a Al-Jazeera. O Governo nega que os rebeldes tenham feito tais progressos.

Na origem do conflito, que ameaça expandir-se através ramificações regionais, está uma luta pelo poder a nível nacional no contexto altamente dividido e polarizado da política etíope. Abiy tornou-se no primeiro membro da etnia oromo a chegar ao poder em 2018, rompendo com a hegemonia da FLPT, mas não conseguiu apaziguar os seus dirigentes.

Nos primeiros tempos, o seu Governo conseguiu vários feitos históricos, com destaque para a assinatura de um acordo de paz com a Eritreia, pondo fim a uma guerra com mais de duas décadas. Esses esforços valeram a Abiy a atribuição do Prémio Nobel da Paz, em 2019, e deixaram esperanças de que uma nova página de paz pudesse ser iniciada na região.

No entanto, aquilo que começou como algumas provocações isoladas depressa degenerou num novo conflito, agora dentro das fronteiras da Etiópia.

O porta-voz da FLPT, Getachew Reda, desvalorizou o anúncio de Abiy de se juntar às forças militares. “A imitação de Abiy dos imperadores etíopes do tempo de guerra adquiriu um tom visivelmente esquizofrénico”, afirmou o responsável.

Independentemente daquilo que Abiy venha de facto a fazer, as suas declarações já estão a ser encaradas como um sinal de que qualquer acordo para pôr fim às hostilidades continua longínquo. O ex-diplomata norte-americano, William Lawrence, disse à Al-Jazeera que o primeiro-ministro está “basicamente a dizer que está preparado para morrer pela causa”.

“E aqui estamos, quase a completar um círculo fechado com um vencedor do Prémio Nobel da Paz a usar a linguagem mais belicosa possível para tentar aumentar a parada perante a defesa não apenas da Etiópia, mas perante a vida e a morte”, acrescentou.

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