Chefes da equipa de urgência de cirurgia do Hospital de Santa Maria demitem-se

Médicos tinham ameaçado demitir-se no dia 22 deste mês. Nove dos dez elementos apresentaram também o documento para deixar de fazer urgências, já que têm mais de 55 anos.

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Filipa Fernandez

Os dez chefes da equipa de urgência de cirurgia geral do Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte (a que pertence o hospital de Santa Maria) apresentaram demissão nesta segunda-feira. Esta tinha sido a data-limite dada pelos médicos depois de no início do mês terem entregado uma carta ao director clínico na qual pediam uma reunião de urgência, e que se realizou nesta segunda-feira.

A notícia foi avançada pela RTP e confirmada pelo PÚBLICO. Em causa estão as condições de trabalho, nomeadamente a dificuldade em constituir as escalas de urgência de cirurgia geral, situação que se agravou depois de vários médicos se terem recusado a realizar mais horas extraordinárias para além das previstas na lei, que são 150 horas por ano. Solidarizando-se com os médicos assistentes, os dez chefes de equipa apresentaram a sua demissão em bloco “a partir de 22 de Novembro”, como referia a carta que entregaram ao directo clínico a 10 de Novembro.

Contactado pelo PÚBLICO, fonte do Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte (CHLN) remeteu um comentário à situação para mais tarde. No início do mês, altura em que foi apresentada a carta dos profissionais de saúde, o conselho de administração reagiu através de comunicado, no qual dizia já ter reuniões agendadas com os médicos para abordar as questões levantadas. Nessa altura, admitia que o problema poderia ficar solucionado até à data limite dada pelos chefes de equipa.

Em declarações nesta segunda-feira ao PÚBLICO, o presidente da Secção Regional Sul da Ordem dos Médicos confirmou que os chefes de equipa da urgência de cirurgia geral “formalizaram a demissão de chefia”. A juntar, “nove dos dez chefes de equipa, por terem mais de 55 anos, apresentaram o papel para deixarem de fazer urgências”, adiantou Alexandre Valentim Lourenço. A lei prevê que a partir dos 50 anos os médicos possam ser dispensados de realizar urgências nocturnas e a partir dos 55 anos todas as urgências.

“São as pessoas mais qualificadas que deixam de fazer urgências e as equipas ficam imediatamente reduzidas com menos um elemento”, afirma o responsável, explicando que um dos problemas que culminaram nesta situação era a dificuldade na realização de escalas. “Não têm profissionais em número suficiente para terem equipas completas e por isso temos médicos a fazerem mais de mil horas extraordinárias por ano”, afirma, lamentando que o CHLN não esteja a ter capacidade para reter os especialistas que formam e que acabam por sair. “Os médicos continuam a dizer que queriam continuar a fazer urgências, mas nestas condições consideram arriscado”, acrescentou o responsável.

Para Alexandre Valentim Lourenço, há questões de reorganização interna que podiam ser tidas em conta, permitindo que médicos diferenciados em cirurgia não ficassem assoberbados com urgências que não precisam desse grau de diferenciação, como os casos de pulseiras verdes e azuis, e pudessem realizar mais operações. “Alguns doentes não precisam de cuidados hospitalares. Há sempre trabalho que pode ser feito por outros profissionais ou encaminhado para os cuidados de saúde primários, não obrigando estes médicos a estarem ao balcão [das urgências]. Quando têm tempo para operar, estão cansados.”

Mas há também questões estruturais em causa e que são da alçada do Ministério da Saúde. “Continuam a tratar os médicos muito diferenciados de uma forma que não é consentânea. Tem de se fazer uma reforma das carreiras de maneira a pagar melhor aos profissionais”, defende.

O responsável admite que casos como este podem continuar a repetir-se noutras unidades. “Vamos continuar a ver o [efeito] pós-pandemia. As equipas estão esgotadas e os velhos problemas vêm à superfície”, conclui.

Administração afirma que mantém procura de soluções

Em comunicado divulgado esta tarde, o conselho de administração reagiu ao pedido de demissão dos dez chefes da urgência de cirurgia geral, referindo que a direcção clínica “realizou nas últimas duas semanas cinco reuniões” envolvendo não só estes médicos, mas também os assistentes hospitalares de cirurgia geral, “com o objectivo de resolver questões levantadas”. “Resultante destes encontros, a direcção clínica do CHULN consensualizou alterações em protocolos de resposta do serviço de urgência, indo ao encontro das reivindicações apresentadas, mudanças assumidas por escrito em documentos enviados pelo director clínico a elencar as principais medidas a serem implementadas e a sublinhar disponibilidade para aprofundamento de outras.”

“Ainda assim, os chefes da equipa cirúrgica do Serviço de Urgência Central do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte entendem que não foram resolvidas todas as questões identificadas”, assumiu a administração, que afirma que “mantém o mesmo espírito negocial construtivo e os mesmos canais de diálogo e procura de soluções, assegurando que tudo fará para manter o normal funcionamento da sua urgência e o reforço das suas equipas”.

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