Líder interino da Líbia quebra promessa e é candidato às eleições presidenciais
Dbeibé é favorito à vitória e a sua candidatura deverá enfurecer rivais como o marechal Haftar. Nas próximas semanas, várias candidaturas serão questionadas nos tribunais e junto da Comissão Eleitoral, o que pode desencadear novas disputas.
As já controversas eleições presidenciais previstas para 24 de Dezembro na Líbia acabam de se tornar ainda mais caóticas, com o primeiro-ministro interino, Abdul Hamid Dbeibé, a registar-se como candidato, quebrando assim a garantia de que não iria a votos para não abusar da sua posição. Agora que o prazo para os candidatos se apresentarem terminou, a Comissão Eleitoral e os tribunais vão pronunciar-se sobre a legalidade das candidaturas: é possível que Dbeibé seja impedido de concorrer, mas o mesmo pode acontecer aos seus principais rivais, incluindo o “senhor da guerra” do Leste do país, Khalifa Haftar, ou Saif al-Islam Khadafi, filho do antigo ditador.
Para além da promessa feita por todos os membros do actual executivo de unidade de não se apresentarem nas eleições, a candidatura de Dbeibé pode ser desafiada por violar o artigo 12 da lei eleitoral, que obriga os candidatos a abandonarem cargos públicos três meses antes das eleições.
Mas é possível que Dbeibé tenha encontrado uma lacuna na legislação: apesar de se manter em funções, foi alvo de uma moção de censura aprovada pelo Parlamento no fim de Setembro. “Com base em certas interpretações legais, ele foi de facto suspenso do seu posto através do voto de censura”, disse ao jornal online Middle East Eye Claudia Gazzini, especialista na Líbia do International Crisis Group.
De acordo com sondagens feitas em Agosto, o empresário de 63 anos oriundo de Misurata, no Oeste da Líbia, liderava as intenções de voto, isto antes de aumentar ainda mais os gastos do seu governo com uma série de medidas, incluindo a atribuição de subsídios aos recém-casados. Através do programa “Regresso à Vida”, Dbeibé lançou 372 projectos económicos e de infra-estruturas. Apesar de pertencer a uma das famílias mais ricas da Líbia, era pouco conhecido antes de um fórum político promovido pela ONU o escolher para liderar o governo interino que tinha como principal mandato preparar caminho para as eleições presidenciais e parlamentares.
Dbeibé, como vários dos mais de 60 candidatos (apenas uma mulher entre eles), rejeita várias disposições da lei eleitoral apresentada em Setembro pelo presidente do Parlamento, Aguila Salé, e que adiou as eleições parlamentares para Janeiro ou Fevereiro, mantendo a data das presidenciais. Considerando que a lei foi aprovada de forma irregular, várias figuras e grupos políticos defendem que também as presidenciais devem ser adiadas até haver acordo sobre as regras da eleição. Salé, de 77 anos, anunciou a semana passada que é candidato.
Se a candidatura de Dbeibé pode ser questionada por ele permanecer no poder, Khalifa Haftar e Saif al-Islam Khadafi são ambos acusados de crimes de guerra, e a sua eleição seria considerada impensável para uma parte significativa dos líbios.
O Exército, aliás, já contestou o direito do filho de Muammar Khadafi a concorrer. Procurado pelo Tribunal Penal Internacional por duas acusações de crimes contra a humanidade, foi julgado à revelia e condenado à morte pelas autoridades de Trípoli, em 2015, por crimes de guerra, incluindo a matança de manifestantes durante a revolução de 2011, sendo libertado em 2016 pela milícia de Zintan, que o capturara meses depois da morte do pai.
"Impacto psicológico"
Já o marechal Haftar, considerado o mais poderoso “senhor da guerra” da Líbia, liderou dois golpes de Estado contra o Governo de Acordo Nacional (GAN), sediado em Trípoli e reconhecido pela ONU, e acabou a chefiar um governo alternativo a partir de Tobrouk. Muitos líbios acusam-no de crimes de guerra durante o cerco de 14 meses à capital e no assalto do seu Exército Nacional Líbio à cidade, o ano passado – avanços repelidos pelo GAN graças ao apoio militar da Turquia (Haftar, por seu turno, tem contado com apoio da Rússia, nomeadamente através dos mercenários do grupo Wagner, do Egipto e dos Emirados Árabes Unidos).
Divergências sobre a distribuição de recursos e a manipulação das políticas identitárias para semear divisões estão no centro da crise aberta desde a revolta, resumiu este fim-de-semana Najla el Mangoush, ministra dos Negócios Estrangeiros do governo interino. Alguns políticos, afirmou Mangoush numa conferência organizada pelo think tank International Institute for Strategic Studies, “alimentam-se do medo, demonizando o outro, definindo as pessoas segundo ‘nós contra eles’ para instigar o conflito”.
O analista Jalel Harchaoui, especialista em Líbia ouvido pela agência de notícias AFP, acredita que a candidatura de Dbeibé terá “um enorme impacto psicológico” nos seus opositores. “A raiva deles pode jogar a seu favor” se, por exemplo, “os rivais recorrerem à violência” ou se isso levar ao colapso do processo eleitoral, defende.