Gravidez: uma janela de oportunidade para um futuro saudável
A gravidez é um momento único para a mãe, o bebé e as pessoas que os rodeiam. Uma maior compreensão desta relação irá dotar-nos de conhecimento para potenciar a saúde materna e fetal.
A gravidez consiste no período em que o bebé se gera e desenvolve, durando em média 266 dias nos humanos. A gestação de um novo ser desencadeia importantes adaptações biológicas no organismo materno, podendo evidenciar as suas fragilidades. As escolhas e acções durante a gestação podem ter impacto no desenvolvimento do bebé.
Porque muda o corpo materno durante a gravidez?
Morfologicamente, o corpo da mulher sofre uma transformação que permite comportar o peso extra do bebé, o crescimento de várias estruturas e a acumulação de reservas. Sistemas importantes na mãe, como o sistema cardiovascular, passam por adaptações fisiológicas fundamentais para compensar a necessidade física e metabólica de suporte à nova vida em desenvolvimento. É uma verdadeira “prova de esforço” para o organismo da mãe o que pode revelar algumas das suas fragilidades.
Provas científicas demonstram que o desenvolvimento de várias complicações durante a gravidez, como a diabetes gestacional, pré-eclâmpsia, restrição de crescimento fetal, parto prematuro ou o ganho de peso gestacional excessivo são um factor de risco para o desenvolvimento de doença crónica metabólica, cardiovascular e mortalidade precoce na mãe. É urgente aprender a interpretar estes “avisos” que surgem durante a gravidez para intervirmos e potenciar a saúde da mãe e do seu descendente.
Pode a alimentação da mãe ditar a saúde do bebé?
Se por um lado é fácil entender que os hábitos maternos ditam a saúde da própria mãe, as provas científicas mostram que também condicionam a saúde do bebé, não só no útero, mas incrivelmente durante toda a sua vida.
Os primeiros trabalhos científicos mostraram uma associação entre uma alimentação deficiente durante a gravidez, recém-nascidos de baixo peso e pequenos para a idade gestacional e uma maior incidência de doença cardíaca e morte precoce. Foi este o início do conceito da “origem do desenvolvimento da saúde e da doença” que preconiza que insultos ambientais no início da vida contribuem para o aumentar o risco a longo prazo para doenças como a doença cardiovascular, obesidade, diabetes, doença crónica respiratória, alergia, asma, doenças auto-imunes e doenças neurológicas e neurodegenerativas.
Actualmente a Organização Mundial da Saúde relata que 71% das mortes anualmente são provocadas por doenças não transmissíveis, causando cerca de 41 milhões de mortes por ano. Desengane-se quem julga que os problemas de subnutrição durante a gravidez são exclusivos de países subdesenvolvidos, em particular com a situação de pandemia covid-19 que colocou tantas famílias numa situação precária e frágil.
Mesmo sem dificuldades financeiras, a subnutrição durante a gravidez pode ocorrer por diversos factores. Além das carências alimentares, várias condições podem contribuir para um estado nutricional deficitário durante a gravidez. Por exemplo, a hiperémese gravídica, uma situação clínica caracterizada por vómitos persistentes que levam à perda de peso e desidratação, bulimia, anorexia ou mesmo o medo de um ganho de peso excessivo durante a gravidez podem originar uma nutrição inadequada durante a gestação.
Além disso, em mulheres com intervalos curtos entre gravidezes ou mulheres muito jovens (até dois anos após a menarca) o organismo pode ter necessidades especiais e “competir” com o feto em desenvolvimento, recomendando-se uma nutrição controlada. Factores como o consumo de tabaco, álcool e drogas também podem contribuir para uma nutrição materno-fetal deficiente durante a gestação ou mesmo só a idade avançada da mãe. Isto mostra a importância de compreender como o nosso ambiente intra-uterino pode determinar o aparecimento de doenças mais tarde na nossa vida e dos nossos filhos.
A alimentação deficiente durante a gravidez não é factor único na programação de doença nos descendentes. Dada a prevalência da obesidade, cada vez mais estudos tentam compreender o impacto de ser obesa durante a gravidez para a mãe e para o feto, observando-se um maior risco de diabetes, hipertensão e doença cardíaca para mãe e para os descendentes um marcado risco de desenvolver obesidade, diabetes e doença cardíaca, contribuindo para a perpetuação da obesidade.
Como é que se estuda a relação entre os hábitos (alimentares) da mãe e o desenvolvimento fetal?
Para compreender os mecanismos que potenciam o aparecimento de doença nos descendentes de mães grávidas com deficiência ou excesso de alimentação, investigadores do Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) da Universidade de Coimbra recapitularam estas condições em vários modelos animais, incluindo primatas não-humanos, ovelhas, ratos e ratinhos. Em todos os casos, a alimentação materna deficiente ou excessiva resultou em mitocôndrias, as centrais de energia nas células, menos eficientes e em alguns casos mesmo danificadas, sendo notórias alterações estruturais mitocondriais nos corações dos descendentes. Desta forma, a capacidade das células para a produção da energia necessária ao longo da vida foi afectada, o que diminui a sua plasticidade e capacidade de resposta a desafios e aumenta a susceptibilidade para uma série de doenças.
Torna-se primordial definir as condições ideias de nutrição para potenciar a saúde materna e dos descendentes, de modo que as recomendações de saúde tenham uma sólida base de provas científicas.
Se queremos o melhor para os nossos bebés e gerações futuras, o investimento começa muito antes do seu nascimento e deve-se compreender que uma alimentação adequada durante a gravidez está directamente relacionada com o desenvolvimento de fortes defesas para os bebés enfrentarem e vencerem os desafios pós-natais. A gravidez é uma janela de oportunidade única para prevenção e redução da mortalidade prematura por doenças não transmissíveis. Há que apostar num início de vida saudável para edificar um futuro salutar.
Autores: Susana P. Pereira (Centro de Neurociências e Biologia Celular, ou CNC, da Universidade de Coimbra; Centro de Investigação em Actividade Física, Saúde e Lazer, ou CIAFEL; Laboratório para a Investigação Integrativa e Translacional em Saúde Populacional, ou ITR; Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, ou FADEUP) e Paulo J. Oliveira (CNC)
Ilustração: André Caetano
Produção e revisão: Carolina Caetano, João Cardoso e Marta Quatorze
Coordenação do projecto: Sara Varela Amaral