Uma nova geração de mulheres

No seu rosto lia-se receio — aguardava o resultado impresso de alguma maleita. Receio era um sentimento novo para si, nunca o experienciara até ter assumido o mais alto cargo partidário. Mas porquê? Não entendia.

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Mikkel Frimer-Rasmussen/Unsplash

Ganhou aspecto de mulher aos seis anos. Assumiu a posição de líder partidária no início da puberdade e foi eleita primeira-ministra aos 20 anos. O cargo fora assumido há algumas semanas mas só agora se preparava para registar o retrato oficial. Ainda não se sentia reposta da campanha intensa e cansativa pela qual tinha passado no último ano. Porém, talvez se sentisse estranha por outros motivos.

Parada diante da câmara, tentava em vão disfarçar o desconforto. Como se estivesse numa sala de radiologia, prestes a ser fotografada por dentro. No seu rosto lia-se receio — aguardava o resultado impresso de alguma maleita. Receio era um sentimento novo para si, nunca o experienciara até ter assumido o mais alto cargo partidário. Mas porquê? Não entendia.

Tinha atingido o seu maior objectivo com apenas 20 anos. O mal-estar começou precisamente no dia em que saíram os resultados da vitória. Em vez de ter ficado esfuziante, sentiu-se indisposta. Teve de abandonar, por momentos, a sede do Partido, onde a comitiva da campanha celebrava com um excesso de euforia, incentivado pelo champanhe. Pensou que fosse da bebida, do cansaço acumulado de meses ou talvez da junção de ambos. Trancou-se na casa de banho e molhou o rosto com o ventre encostado ao lavatório. Tinha tonturas e um mal-estar generalizado. Viu-se ao espelho e teve dificuldade em reconhecer o seu rosto original, alterado pela maquilhagem e penteado sérios. Lembrou-se da sua mãe.

Sem saber como, distinguiu claramente ao espelho o rosto e o corpo da sua mãe grávida. Uma situação bizarra, dado que morrera no dia do seu nascimento e que nunca lhe tinha sido mostrada uma fotografia. Apesar de reconhecer o esforço que a sua mãe adoptiva fizera, nunca a considerou uma mãe. Nunca sentiu afecto, não sabe dizer porquê. Agora, perante a câmara fotográfica, voltou a ter a mesma sensação estonteante, vertiginosa até. Sentiu algo movimentar-se dentro da sua barriga — um pontapé, seria? Depois, ouviu-se com clareza um choro de bebé vindo de dentro de si. O retratista oficial, prestes a carregar no botão do aparelho, baixou os braços que seguravam a câmara.

— O que foi isto? — perguntou, atónito.
— A minha filha.

A primeira-ministra soube imediatamente que o embrião na sua barriga se tratava de uma menina.

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