Investigador decifra cartas em tupi escritas por indígenas brasileiros no século XVII
Os manuscritos extremamente raros, os únicos conhecidos escritos por indígenas antes da Independência do Brasil, estão guardados na Biblioteca Real de Haia, na Holanda.
Um investigador brasileiro desvendou um mistério secular ao traduzir integralmente uma série de cartas escritas em tupi por indígenas do Brasil no século XVII, afastados por um sangrento conflito entre portugueses e holandeses.
Os manuscritos, extremamente raros, os únicos conhecidos escritos por indígenas antes da Independência do Brasil, estão guardados na Biblioteca Real de Haia, na Holanda.
A sua existência era conhecida desde 1885, mas ninguém havia conseguido decifrar totalmente o seu conteúdo, mas isso mudou graças ao trabalho de Eduardo Navarro, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP).
A correspondência traduzida remonta ao século XVII, um período marcado por lutas em parte do território brasileiro entre Portugal e Holanda.
Os holandeses dominaram toda a costa nordeste do Brasil durante 15 anos, excepto o estado da Bahia, com a permissão dos portugueses, que ocuparam o resto do país. Mas, em 1645, uma guerra foi desencadeada contra a presença holandesa no Brasil num conflito que durou nove anos e terminou com a expulsão dos holandeses.
Os senhores do engenho portugueses, profundamente endividados com os holandeses, lideraram a rebelião da qual também participaram os indígenas potiguaras, mas divididos em dois campos: alguns do lado português e outros do lado da Holanda.
Nos primeiros meses do conflito, algumas lideranças indígenas alfabetizadas e evangelizadas trocaram cartas para convencer o remetente de que estavam do lado errado. Apenas seis documentos deste tipo estão preservados.
Eduardo Navarro, de 59 anos, foi o primeiro investigador a desvendar exactamente o sentido das palavras escritas nas cartas.
“Por que estou fazendo guerra contra gente do nosso sangue, se vocês são os verdadeiros habitantes desta terra? Será que não temos compaixão por nosso povo?”, refere um trecho de uma carta que foi traduzida.
O investigador brasileiro frisou que a tradução não foi fácil já que os indígenas brasileiros usavam o alfabeto latino para escrever em tupi, mas não seguiam muitas regras e a leitura tornou-se difícil.
Navarro relatou que o conhecimento linguístico sobre os antigos tupis era “disperso” e, por isso, decidiu criar o primeiro dicionário dessa língua indígena clássica – agora extinta –, que surgiu em 2013 após dez anos de um longo trabalho. A partir daí, começou a analisar minuciosamente as cartas.
A tradução completa permitiu observar os rumos da guerra ou os nomes dos caciques (chefes indígenas) que morreram em batalha e os locais onde lutaram.
Os documentos também indicaram a insatisfação dos indígenas por terem perdido sua cultura tradicional e a vontade de superarem as diferenças e voltarem a conviver para resgatar os seus ritos ancestrais.