Danijoy Pontes era um jovem de São Tomé e Príncipe, de 23 anos, no início da vida adulta. Estava a cumprir onze meses de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), período muito maior do que o recomendado internacionalmente e dos habituais seis meses, especialmente tendo em conta que o jovem não apresentava antecedentes criminais. Segundo as autoridades, morreu na madrugada do dia 15 de Setembro, tendo sido dito que teria falecido durante o sono.
Num comunicado enviado pela família é referido: “Danijoy entrou saudável no EPL. Apesar disso, foi sistematicamente medicado durante a sua estadia sem que nada aparentemente o justificasse e sem que alguma vez tivéssemos sido informados sobre as razões.” A família continua a aguardar o apuramento dos motivos da morte.
Várias associações de apoio a reclusos têm vindo a insistir, ao longo dos tempos, que é relativamente recorrente a utilização de medicamentos para controlar os presos dentro dos estabelecimentos, sem explicações sobre a sua necessidade, o processo de entrega destes medicamentos e os perigos que podem apresentar para a saúde de quem os ingere. Danijoy parece ter sido mais uma vítima do tratamento diferenciado por estas forças, que reflectem o estado do racismo estrutural no nosso país.
A morte de Danijoy não é um caso insólito. Já foram vários os estudos feitos sobre a forma discriminatória como o encarceramento aflige comunidades afrodescentes — e têm sido diversos os e as activistas a pronunciarem-se sobre isto. Sabemos que um em cada 73 cidadãos dos PALOP estão presos, uma proporção dez vezes maior do que a que existe para portugueses. Numa carta enviada para a ONU por 22 associações afrodescendentes em 2016, onde era denunciada a inacção de Portugal em combater o racismo estrutural, foi referido que eram frequentes “permanentes agressões, por parte de agentes de segurança, a cidadãos desarmados dos bairros periféricos com forte presença de afrodescendentes negros”. Não esquecemos as agressões que foram infligidas a Cláudia Simões no dia 19 de Janeiro de 2020, dos vídeos violentos que surgiram na internet no seguimento da sua filha menor se ter esquecido do passe.
O racismo é sentido em vários outros sectores da sociedade, como na área da Educação, da qual certas comunidades são sistematicamente excluídas dos centros de produção e reprodução de conhecimento, mostrando os dados segundo os quais os afrodescendentes de origem cabo-verdiana, guineense e santomense acedem cinco vezes menos ao ensino superior. Ou na habitação, onde afro-descendentes negros estão sete vezes mais em alojamentos “rudimentares” e muitos vivem em territórios segregados, designadamente em bairros de realojamento social na periferia dos centros urbanos. Esta diferença é mesmo evidenciada na esperança de vida: 74 anos para os nascidos nos PALOP contra 78 dos nascidos em Portugal.
Há toda uma conjuntura a nível global que opera contra as comunidades racializadas. Desde George Floyd, Trayvon Martin a Cláudia Simões e Danijoy Pontes. É preciso quebrar este ciclo de violência e repor a justiça na sociedade, de modo a que seja habitável para todos e todas. Na peça Aurora Negra é referida a célebre frase “Tentaram-nos matar, mas nós prometemos não morrer”.
Quinhentos anos de escravatura e de colonialismo são já muitos anos a morrer. Por isso, em Portugal sai-se à rua a 6 de Novembro em várias cidades — Lisboa, Beja, Coimbra (eventos em actualização no Facebook) — para rejeitar a violência sistémica e relembrar que vidas negras importam, sempre.